A COP30, realizada em Belém do Pará, expôs uma ferida antiga e frequentemente encoberta pelo discurso civilizatório: a Amazônia é, para grande parte do mundo — inclusive para aqueles que mais vociferam sua importância — um território pouco compreendido, romantizado ou estereotipado. A conferência, celebrada como marco ambiental global, revelou episódios emblemáticos de desconhecimento sobre a vida amazônica, sua sociologia, sua história e suas contradições. Como alertou o geógrafo Milton Santos, “não se pode proteger aquilo que não se conhece”, e o que se viu foi a repetição do padrão colonial de falar sobre a Amazônia sem realmente ouvir a Amazônia. Líderes estrangeiros mostraram surpresa com a urbanização da região, com a complexidade de sua economia e até com a diversidade cultural de Belém — como se esperassem uma floresta estática, congelada num imaginário rústico, idealizado e impreciso.
Esse desconhecimento estrutural tem raízes profundas. Para o filósofo camaronês Achille Mbembe, a forma como o Norte global enxerga territórios periféricos é moldada por uma “cartografia afetiva” que hierarquiza vidas e espaços. A Amazônia, nesse mapa mental, aparece ora como santuário intocado, ora como depósito de recursos naturais, mas quase nunca como lugar de pessoas concretas com direitos, problemas e aspirações. Durante a COP30, ambientalistas de renome demonstraram desconhecimento básico sobre a realidade dos ribeirinhos, das populações urbanas e até da infraestrutura amazônica. De modo semelhante, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro ressalta que a região é frequentemente convertida em metáfora — um símbolo — e não tratada como o território vivo e contraditório que é. Essa transformação simbólica apaga as pessoas da equação e favorece discursos universais que pouco dialogam com a vida concreta da região.
Do ponto de vista político, o evento evidenciou uma clivagem entre a Amazônia real e a Amazônia imaginada pelos que pretendem “salvá-la”. O presidente Lula, ao discursar, chamou atenção para o fato de que “não haverá solução climática sem justiça para quem vive na floresta”. Mas o apelo encontrou resistência entre setores que insistem em pautas universalistas desconectadas das demandas locais. Como lembrou a economista e ambientalista Elinor Ostrom, vencedora do Nobel, modelos de governança só funcionam quando respeitam o conhecimento tradicional e as particularidades socioculturais — exatamente o que muitos delegados estrangeiros ignoraram. Em conversas paralelas da cúpula, circularam comentários espantados com o custo de vida, com a culinária, com a ocupação urbana das metrópoles amazônicas, revelando que a Amazônia ainda é vista como espaço pré-moderno, quase extraterritorial.
Ao final, a COP30 expôs uma contradição gritante: o mundo exige que os amazônidas defendam a floresta em nome da humanidade, mas pouco se dispõe a conhecer, respeitar ou apoiar a realidade concreta de quem vive nela. Como advertiu Davi Kopenawa Yanomami, “a floresta só vive se o povo que a guarda também viver”. Entretanto, a ignorância global transforma os habitantes da Amazônia em figurantes — e não protagonistas — da pauta ambiental. Cientistas como Carlos Nobre e Susanna Hecht alertam que nenhuma política climática terá sucesso se continuar baseada em abstrações produzidas longe da região. A COP30 deveria ser um encontro planetário de escuta profunda; acabou revelando o quanto ainda estamos distantes de compreender a maior floresta tropical do mundo. E enquanto essa ignorância persistir, qualquer promessa de preservação será apenas retórica vazia.

