Enquanto discutimos que tipo de banheiro pode ser utilizado e as nossas salas de aula possuem, há décadas, basicamente os mesmos equipamentos, a China terá o ensino sobre a Inteligência Artificial nas suas escolas.
Não é ensino com Inteligência Artificial e, sim, ensino “sobre” a tecnologia e sua funcionalidade, as potencialidades de uso e dinâmicas daí decorrentes. Também não é algo a ocorrer em ensino universitário, pois se dará no “ensino fundamental”. Para isso, evidentemente, devem dispor de computadores modernos nas salas de aula.
Caros leitores, nós podemos não ser especialistas no assunto, mas, mesmo assim, conseguimos perceber o quanto isso atingirá negativamente a maioria dos nossos jovens alunos, que estão, basicamente, ainda no tempo “do caderno e lápis”. Enquanto escrevo essas linhas, à mente vem parte da letra da música Eduardo e Mônica, do Legião Urbana, que falava que “ela fazia medicina e falava alemão e ele ainda nas aulinhas de inglês”.
Aqui, a evasão escolar ainda convive com analfabetismo funcional de 29% (dados de 2018) e temos 5,8, em escala de 1 a 10, no índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB), enquanto na China os dados indicam que a alfabetização chegou a 99,83%. Nunca recebemos o prestigioso Prêmio Nobel e o Brasil é um dos 3 países com menos doutores no mundo – cerca de 10 para cada 100 mil habitantes, sendo de 30 a média nos países.
Essa reformulação tecnológica da Inteligência Artificial parece atropelar as reformas do ensino que foram feitas e esmagar os esforços para se atingir a eficiência necessária para a sobrevivência nesses tempos de ampla concorrência internacional. Qual será o significado disso para o progresso dos países, já que falhas na educação impactam o mercado de trabalho? Quanto isso impactará na qualificação da mão-de-obra nos mercados internos e global, com efeito na empregabilidade dos profissionais nas indústrias e no comércio? Qual o reflexo disso na economia dos países?
Nem a China conseguiu se manter fechada no seu regime comunista, tendo de se render ao mercado global e a se esforçar para se tornar competitiva, segundo as regras do jogo que repudiava. A centralização do poder no regime comunista criou absurdos, muito a partir do desprezo pelos intelectuais, quando o mais importante era o ufanismo partidário. Um exemplo foi a grande fome, que teve cerca de 30 milhões (isso mesmo!) de mortos, em decorrência do desequilíbrio ecológico causado pelo programa de morte aos pardais, porque comiam frutas e sementes e prejudicariam as colheitas. A mortandade dos pardais fez com que nuvens de gafanhotos e de outros insetos dizimassem as plantações… e faltou comida! Outro erro absurdo foi querer competir com outros países na produção de aço e, em vez de construir indústrias e siderúrgicas adequadas e modernas, incentivou-se pequenos fornos nas casas e, de fato, milhões de toneladas de aço foram produzidas, contudo, de tão baixa qualidade que pouco serviam e eram praticamente inúteis, gastando-se muito tempo e energia, por pouco resultado. Algo que soa semelhante aos românticos incentivos à produção de alimentos na base da enxada que satisfaçam aos padrões do mercado moderno e exigências dos consumidores, em qualidade e preço. A partir do abandono das equivocadas políticas agrícolas que acompanhavam a reforma agrária com redistribuição de terras – medidas impostas por Mao Tsé-Tung e que incluíram a recriação de uma Corveia, do tipo que havia no feudalismo, onde os produtores tinham que entregar certas quantidades às autoridades.
Contudo, a atmosfera mudou em pouco tempo e um impressionante crescimento econômico se impôs. Em 1990, a China não estava entre as dez maiores economias do mundo; em 2000 já era a 6ª colocada; em 2010, tornou-se a 2ª maior economia global, atrás, apenas, dos Estados Unidos; em 2049 deverá ser a principal potência do planeta!
Rendendo-se ao capitalismo e à valorização da eficiência, a China dispara e não é difícil perceber o quanto estamos paralisados. Qual será o significado disso para o progresso dos países, já que falhas na educação impactam o mercado de trabalho? Quanto isso impactará na qualificação da mão-de-obra nos mercados internos e global, com efeito na empregabilidade dos profissionais nas indústrias e no comércio?
As mudanças não são apenas pontuais. Lá, gerações foram perdidas. Tempo e dinheiro, também. Contudo, a revolução maior se nos apresenta no campo das expectativas. O país ganha em autoestima e avança com a ferocidade de um tigre, predando aqui e acolá, tomando e se espraiando. Por isso a reação tão aguda e surpreendente dos Estados Unidos, taxando os produtos da China em 104%, percentual absolutamente fantástico e que revela o quão desesperados estão os americanos, percebendo que estão muito endividados e comprometidos e que começam a ficar para trás, na hegemonia global. Logo, teremos de trocar as aulas de inglês pelas de mandarim. Também as pessoas começarão a receber influência da cultura milenar chinesa, dos hábitos alimentares, de moradia, medicina e religião. Abalar-se-ão as religiões ocidentais, de modelo cristão? Como se vê, o que está em jogo é o modelo Ocidental, o modo de viver, de conviver e de pensar. A China, apesar de comunista, foi poupada pelos Estados Unidos nas suas lutas diante dos modelos econômicos e políticos do Século XX, quando tinha a União Soviética (hoje, Rússia) como a grande adversária. Todos os movimentos de resistência eram em direção à contenção da União Soviética, até a simbólica queda do Muro de Berlim, quando pareceu que o jogo estaria terminado. Focando no domínio do mercado global, os Estados Unidos puderam agir praticamente sem adversários, mas desprezou o que se fazia na China e o resultado, hoje, bate à nossa porta. A China saiu da fome e pobreza ao reconhecer os equívocos do sistema político comunista e ao se converter ao modelo que tanto combateram: a economia de mercado, própria do capitalismo.
Na União Soviética, a ideia de paraíso já tinha virado um inferno para o povo, inclusive com a grande fome imposta por Stalin, que matou milhões de mortos na Ucrânia, no Holodomor – aliás, reconhecida como genocídio pelo Parlamento Europeu. Contudo, a falta de liberdade, agravada pelo medo instalado na sociedade, alimentava a ilusão, fazendo com que tudo fosse corroído por dentro, com autofagia pelo próprio modelo, pelo dirigismo centralizado que produziu manipulação, tirania, ineficiência e absurdos – exemplificado no contexto do acidente na usina nuclear de Chernobyl.
O mesmo não se pode dizer da Europa e dos Estados Unidos. Uma certa arrogância produziu uma cegueira e essa, hoje, cobra o seu preço. O Brasil e vários países seguem a reboque. Ficamos distraídos com o que achamos que seria o mundo por muitos e muitos anos. Ignoramos fatos e verdades. Ignoramos o outro. Ignoramos a nós mesmos. O peso das consequências para o Ocidente está sendo representado, bem ou mal, pelas ações dos Estados Unidos que, sob a atual presidência, busca a ampliação do mercado, novas bases exploratórias (Groenlândia e Canadá) e alterações no controle de rotas importantes (Canal do Panamá), além das imensas taxações impostas a outros países – chegando a 104% no caso da China, como dito. O General Tucídides tinha razão quando, na Grécia Antiga, no contexto da Guerra de Peloponeso, alertava que as ações da nação ascendente geravam reação no país dominante e ameaçado… e que, entre ações e reações, um confronto se forma como inevitável.
Nessa guerra imensa e global entram os clássicos ensinamentos e as lições do passado, contudo, com modernos ingredientes, até elevando a educação e a reforma nos processos de ensino à condição de verdadeira arma. Foi falado, há anos, em sistema 80/20, em que apenas 20% da força de trabalho do mundo seria suficiente para manter tudo funcionando. Que estejamos nesses 20%, porque a periferia do mundo, no futuro, não será agradável. Se, como se diz, popularmente, “a melhor defesa é o ataque”, devemos partir com tudo para que os nossos jovens tenham melhores condições de enfrentar o que vem por aí – e o nosso país, também