Na floresta, ninguém vai tratar um urso como faria com ursinho de pelúcia. É a realidade dos fatos que deve definir as nossas ações. Querer que os selvagens animais se portem como os seus similares não os faz mansos e cordatos, do mesmo modo que ser a favor da paz não deve nos fazer submissos a ninguém – e isso vale tanto para os relacionamentos pessoais quanto para as relações entre empresas e países.
Na campanha presidencial, Trump avisou que iria “usar o Departamento de Justiça contra seus inimigos políticos” (CNN Brasil, 31.10.2024), se propôs a fazer a América grande, novamente (“Make America great again”) e alertou que agiria contra imigrantes. Certo ou errado aos nossos olhos, está fazendo o que disse que faria. São fatos e não podemos fugir deles.
Aliás, como dizia o grande historiador Moniz Bandeira, citando Oswald Spengler, na história “não há ideais, mas somente fatos, nem verdades, mas somente fatos, não há razão nem honestidade, nem equidade etc, mas somente fatos” […] ”E palavras não mudam a realidade dos fatos” (livro “A desordem mundial: o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias”, 2016, p. 513).
Ponderamos que as medidas tarifárias adotadas por Trump não encerram objetivos econômicos. Se fosse pela economia, ele não agiria contra nós, pois os EUA são superavitários em face do Brasil. A questão é geopolítica e os fatos históricos devem ser invocados para se compreender o presente e se vaticinar o futuro. As medidas econômicas são instrumentos nesse enfrentamento político e isso é fácil de se ver, desde que se analise o contexto, como registra matéria de hoje, 10.7.2025, publicada, sob o título “Trump usa tarifas como arma política e cobra do Brasil o preço por não se alinhar internacionalmente” (Terra.com, 10.7.2025, assinam Paulo Esteves e Carlos Frederico Coelho). Aliás, já falávamos nisso em ensaio já publicado, intitulado “EUA x BRICS: a Segunda Guerra Fria (e nós, no meio)”, que escrevemos na mesma noite da data do anúncio do aumento da tarifa em 50%.
Esses objetivos políticos estão atrelados à história da 2ª Guerra Mundial pois, com a calamidade instaurada na falida Europa e os seus rastros mundo afora, 44 países se uniram para estabilizar a economia global e prevenir crises financeiras que pudessem alimentar novos graves conflitos. Era o pacto de Bretton Woods, no qual fixou-se o dólar americano como moeda-referência e criou-se o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Na década de 1970 o modelo alterou-se substancialmente, mas o sistema financeiro instalado e o livre comércio global seguiram e se desdobraram na mundialização do capital, mais conhecida como Globalização. Não podemos nos esquecer das teorias de Mackinder sobre o Heartland, que envolve a Europa e Ásia, bem como da criação da OTAN, em 1949 e do acordo de não proliferação de armas nucleares, firmado em 1.968 pois, de certo modo, tudo está entrelaçado e muito costurado.
Fixados esses pontos, podemos avançar e questionar o motivo pelo qual o tarifaço de 50% para as exportações brasileiras foi anunciado por Trump logo no dia seguinte à cúpula dos BRICS, no Rio de Janeiro. Coincidência? Não cremos, mormente quando algum aumento percentual já era esperado desde o início do ano – e parece que pouca importância se deu à uma solução negociada… Aliás, é bom relembrar que a poderosa China não quis pagar para, preferindo solução negociada…
Se até a China assim agiu, precisamos refletir a respeito, ainda mais quando se lê que o Brasil deve responder com aplicação da Lei nº 15.122/2025, que prevê a reciprocidade – já um princípio de Direito Internacional – pelos critérios que estabelece no seu art. 1º e detalha nos artigos seguintes, inclusive com a adoção de contramedidas (art. 3º), autônomas ou combinadas, envolvendo a suspensão de concessões de propriedade intelectual e a suspensão de concessões.
Convém que a história esteja viva na memória. Leonel Brizola, quando foi governador do Rio Grande do Sul, em 1.959 cassou a concessão da Companhia de Energia Elétrica (CEE), que era filial da empresa norte-americana Bond & Share. Em 1.962, fez o mesmo com a Companhia Telefônica Nacional (CTN), que era filial da International Telephone & Telegraph (ITT). A reação norte-americana foi pesada, inclusive gerando a Emenda Hickenlooper no Congresso americano, prevendo a suspensão de ajuda financeira aos países que fizessem expropriação sem justa indenização. As relações bilaterais foram se desgastando… e Goulart teve que indenizar por quantia 20 vezes superior à avaliada anteriormente.
Adiante, quando Goulart cassou a concessão da mineradora Hanna Minning Co, em 1.963, as coisas esquentaram, a ponto de Eduardo Galeano, na obra Veias Abertas da América Latina, considerar que a Hanna Minning colaborou para a derrubada de dois presidentes e, de fato, Jango foi cassado logo depois de retirar a sua concessão que, após assumir, Castelo Branco logo restabeleceu. Esse é pequeno exemplo do jogo… Para quem não tem ideia do contexto e não conhece os bastidores de certos capítulos da nossa história, há ótimo texto de Luíz Nassif, publicado na Folha de São Paulo, em 22.1.2006, sob o título “O poder da Hanna”, cuja leitura recomendo.
Avançando, temos lei sobre a reciprocidade, mas não sei qual seria a melhor opção política, se a sua aplicação ou uma busca mais negociada com os norte-americanos. Tudo é do jogo e estamos na vez de jogar os dados.
Parece mesmo que Trump busca defender a herança de Bretton Woods e os valores elevados para os americanos, como o livre comércio e a defesa do bloco ocidental que integram. Pelo andar da carruagem, com os nossos alinhamentos ao Brics e questionamento do dólar como base no sistema de trocas, parece que nos afastamos dos parceiros tradicionais e isso, na visão dos norte-americanos, nos coloca do outro lado do ringue, nesta que já nos parece ser a 2ª Guerra Fria.
Por fim, se fosse medida puramente econômica, viria noutro tempo, noutra forma e sob outra motivação.
Também não significa que o citado nome da política nacional tivesse tanto poder para fazer Trump agir como agiu… será mesmo que o empresário experiente e tão rico, pela 2ª vez presidente empossado nos EUA, se prestaria a agir deste modo apenas por uma questão local de um país sul-americano?
Será que parte das motivações expressadas na sua missiva não são cortina de fumaça?
Será que o jogo está tão claro e é tão simplista, assim?
São conjecturas, fato, mas estas não devem ser desprezadas, por integrar o contexto mais amplo e complexo onde estão as respostas que buscamos.
As tarifas de Trump e os herdeiros de Bretton Woods.
