Ao celebrar o Dia dos Professores no Rio de Janeiro, em 15 de outubro, Lula mirou o Parlamento e disparou: o Congresso “nunca teve a qualidade de baixo nível” que tem agora — frase dita ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que estava no palanque e ouvira vaias momentos antes. A crítica, que o próprio Motta interpretou como endereçada à extrema direita eleita na última legislatura, condensou uma leitura que ecoa fora do círculo governista e acendeu uma disputa de narrativas sobre a legitimidade e a performance da atual legislatura. A cena, filmada e reproduzida pela imprensa, foi confirmada por diferentes veículos e deu o tom de um debate que mistura sociologia política, teoria democrática e a conjuntura brasileira recente.
Sob a lente dos cientistas políticos, o diagnóstico de “baixo nível” dialoga com duas chaves analíticas. A primeira é a da hiperfragmentação partidária — tema clássico de Giovanni Sartori — que tende a elevar custos de coordenação e ampliar a barganha particularista, frequentemente percebida pelo público como fisiologismo. A segunda é a da polarização afetiva, estudada por autores como Lilliana Mason e aplicada ao Brasil por pesquisas recentes, que rebaixa incentivos à deliberação e premia a retórica de confronto. Robert Dahl lembrava que poliarquias exigem competição e participação com regras estáveis; quando a competição descamba para deslegitimação do adversário, ganha espaço a “antipolítica”, que Pierre Rosanvallon descreve como erosão da confiança na representação. Nesse ambiente, sustenta Lula, avança um bloco radicalizado que contamina a agenda; seus críticos respondem que a fala presidencial generaliza e desqualifica um poder eleito. O choque, antes de tudo, é sobre quem define o parâmetro do “nível”.
O próprio Motta reagiu enfatizando a produtividade legislativa e alegando que “o Congresso aprovou quase tudo”, uma estratégia discursiva que tenta repor a legitimidade institucional por meio de outputs (leis entregues), enquanto o Planalto explora a legitimidade pelos inputs (quem compõe e como se comporta a Casa). Arend Lijphart mostrava que sistemas consensuais tendem a moderar atritos entre Executivo e Legislativo; no presidencialismo de coalizão brasileiro, sem correias de transmissão partidárias robustas, o atrito se transforma em veto recíproco. A pedagogia pública da cena carioca — com o presidente segurando o microfone e plateia gritando “sem anistia” — explicitou esse curto-circuito entre sociedade, governo e parlamento. Para a sociologia política, trata-se de um “evento de reputação”: um instante performático que reconfigura percepções sobre atores e instituições.
No plano internacional, a controvérsia lembra advertências de figuras de diferentes espectros sobre a degradação do debate parlamentar. Angela Merkel, Emmanuel Macron e Michelle Bachelet, em momentos distintos, já associaram o recrudescimento do extremismo ao empobrecimento da deliberação democrática; no Reino Unido, John Bercow tornou-se símbolo da defesa de regras em meio ao caos do Brexit; nos EUA, Barack Obama e John McCain defenderam, cada qual à sua maneira, o respeito institucional como antídoto à erosão da vida pública. O Brasil não é exceção: quando a política se transforma em guerra cultural permanente, o Parlamento vira arena de cliques. O desafio — para Lula, para Motta