No ano de 536 d.C., um fenômeno climático sem precedentes envolveu vastas regiões da Europa, Oriente Médio e Ásia, mergulhando-as em uma penumbra inquietante que se estendeu por um ano e meio. Durante esse período, o céu permaneceu obscurecido, e tanto o Sol quanto a Lua pareciam pálidos e enfraquecidos, como se a própria luz tivesse sido drenada do mundo. O ciclo natural do dia e da noite foi profundamente alterado, deixando a humanidade sob um crepúsculo incessante.
O responsável por essa condição anômala foi um manto de névoa densa e persistente que cobriu a atmosfera, bloqueando a luz solar. Esse evento foi meticulosamente registrado por cronistas da época, entre eles Procopius, um historiador bizantino, que descreveu como o Sol brilhava de maneira fraca, lembrando a claridade de uma noite enluarada. A consequência imediata desse obscurecimento foi uma queda acentuada nas temperaturas globais, tornando a década de 530 a mais fria em mais de dois milênios, com verões excepcionalmente gélidos, conforme relatado pela pesquisadora Ann Gibbons.
O impacto desse fenômeno foi devastador. Na China, nevascas intensas ocorreram fora de época, dizimando plantações e desencadeando uma crise alimentar. A Europa enfrentou desafios semelhantes, com relatos de colheitas fracassadas e campos que levaram anos para se recuperar do frio extremo. Muitos dos registros mais detalhados vêm de Constantinopla, a capital do Império Bizantino, mas os efeitos dessa catástrofe se espalharam muito além das fronteiras europeias, afetando diversas civilizações.
As descrições deixadas por testemunhas da época revelam um cenário desolador: o Sol era visto como um orbe de tonalidade azulada, incapaz de aquecer a Terra, enquanto a Lua, mesmo quando cheia, parecia sem brilho. As estações do ano tornaram-se irreconhecíveis—o inverno transcorria sem nevascas, a primavera perdeu sua suavidade e o verão não trazia calor. Em resposta a essa nova realidade, comunidades desenvolveram métodos inovadores de conservação de alimentos para tentar sobreviver à escassez.
Por séculos, a origem dessa calamidade permaneceu envolta em mistério. No entanto, mais de um milênio e meio depois, cientistas do Climate Change Institute, da Universidade do Maine, apresentaram uma hipótese convincente. Em um encontro realizado na Universidade de Harvard em 2018, pesquisadores sugeriram que a causa mais provável foi uma erupção vulcânica maciça ocorrida na Islândia em 536 d.C. A explosão foi tão intensa que lançou imensas quantidades de cinzas na atmosfera, espalhando-se por grande parte do hemisfério norte.
Esse evento desencadeou o que hoje se conhece como “inverno vulcânico”, um fenômeno climático em que a liberação de partículas de ácido sulfúrico na estratosfera reduz significativamente a incidência de luz solar, resultando no resfriamento global. A combinação de cinzas e aerossóis de enxofre formou uma barreira na atmosfera, bloqueando a radiação solar e alterando drasticamente o clima da Terra.
A tragédia não terminou ali. Nos anos seguintes, novas erupções ocorreram, em 540 e 547 d.C., impedindo qualquer recuperação. A agricultura foi devastada, o comércio entrou em colapso e a fome assolou diversas regiões. Sem meios para cultivar ou comercializar alimentos, a crise econômica se intensificou, prolongando o sofrimento das populações atingidas.
A sucessão de erupções vulcânicas e seus efeitos persistentes deixaram marcas profundas na história da humanidade. Embora a escuridão gradualmente tenha se dissipado, levou décadas para que as temperaturas e a estabilidade climática fossem restauradas. Esse episódio serve como um testemunho do impacto devastador que fenômenos naturais podem ter sobre a sociedade, destacando a resiliência das civilizações ao longo da história diante de adversidades ambientais extremas.
Além disso, análises de núcleos de gelo da Groenlândia e da Antártida revelaram depósitos de enxofre e cinzas vulcânicas datados exatamente de 536 d.C., confirmando que uma grande erupção ocorreu. Outros eventos similares ocorreram em 540 e 547 d.C. prolongando a crise climática e dificultando a recuperação da agricultura e da economia europeia e asiática.
Esse fenômeno natural teve impactos devastadores, incluindo colheitas fracassadas, fome generalizada e até mesmo surtos de doenças, como a Peste de Justiniano (541-549 d.C.), que pode ter sido agravada pelo enfraquecimento das populações devido à fome e ao frio.