A decisão de Gilmar Mendes de arrancar do Senado Federal — a Casa da Federação, o único espaço onde todos os Estados têm a mesma voz — a prerrogativa de iniciar processo de impeachment contra ministros do STF, entregando essa chave à PGR, é uma obra-prima de centralização autoritária travestida de técnica jurídica. É como se o ministro tivesse decidido que a Constituição é um origami: dobra-se conforme a conveniência de quem segura o papel.
O Senado, que Rui Barbosa chamava de “o dique contra as ondas do arbítrio”, é rebaixado a platéia muda enquanto um ministro reconfigura, por decisão monocrática, o equilíbrio federativo que sustenta a República. Gilmar não apenas atropela o princípio dos freios e contrapesos; ele o transforma em tapete.
É um gesto que afronta o espírito de Paulo Brossard, que advertia que o impeachment é um remédio político excepcional justamente porque nasce no Parlamento — onde mora o povo, e não nos gabinetes acarpetados do Ministério Público. Mas Gilmar, sempre pronto a reinterpretar a Constituição com a autoconfiança de quem se julga seu próprio comentarista autorizado, preferiu amputar do Senado a ferramenta que materializa sua função de contrapeso federativo.
Ao transferir ao PGR — figura sabidamente sujeita aos humores do Executivo — o poder de abrir o processo, cria-se um circuito hermético, quase corporativo. Não é mais a Federação que controla os ministros; são os ministros que escolhem por onde serão eventualmente controlados. Pontes de Miranda chamaria isso de “desvio sistêmico da lógica constitucional”. Outros chamariam pelo nome mais simples: blindagem.
No fim, a mensagem é brutal: o Senado, casa dos Estados, guardião da Federação, foi empurrado para a antessala do irrelevante. A decisão de Gilmar Mendes não apenas reescreve o texto; ela rebaixa um poder da República à condição de adorno institucional.
E adornos, como se sabe, não fiscalizam nada — apenas enfeitam.

