O dia estava meio nublado com o sol, timidamente, querendo acordar. Dava para ver, ainda sobre as folhas e roseiras, o brilho das gotas de orvalhos. O banco da praça estava em silêncio e solitário à espera de alguém para lhe fazer companhia. Então me sentei e comecei a observar o movimento em torno de nós. Algumas pessoas estavam passeando enquanto outras estavam apenas passando. Porém o que mais chamou a minha atenção foi a quantidade de cachorros que por ali estavam.
Como o local era em uma parte nobre, no centro da cidade, a maioria eram cachorros de raça, os quais caminhavam com os seus donos ou com os seus “dogwalkers”. Todos estavam bem-vestidos e bem tratados e conversavam entre si, podemos dizer que eles pertenciam à mesma classe social, aqueles cachorros que se fossem políticos, seriam de “direita” que jamais, talvez, colocaram uma pele de peixe na boca ou dormiram ao relento (não quero dizer que a pobreza é de esquerda, pois há muito pobre de direita, assim como cachorros também). Aquele tipo social que nasceu em berço de ouro, os verdadeiros frequentadores assíduos de “pet shop”: Shih Tzu, Lulu da Pomerânia, Chihuahua, Yorkshire etc., os que nasceram dentro da meritocracia, entre outros nobres cães.
Aquela movimentação canina, rapidamente trouxe a mim uma imagem diferente, pois percebi a presença de alguns cachorros vira-latas que por ali passeavam de forma despercebida, mas que pareciam querer estar entre os demais, apesar de serem de classe social diferente daqueles que por ali estavam: classe baixa, mas pareciam acreditar que eram da mesma classe e que seriam aceitos pelos demais.
Eram cachorros legais que tentavam interagir uns com os outros, não se importando com suas diferenças sociais. Daria até para pensar que aqueles vira-latas eram de esquerda, pois parecia estarem pensando no todo ou em uma divisão social mais justa, algo meio utópico a se tratar de diferença de classe social aqui no Brasil.
Enquanto os vira-latas tentavam se chegar aos demais de raça diferenciada, seus donos ou “dogwalkers” os afastavam de suas crias. Lógico, eles (os vira-latas) não podiam comer a mesma comida dos demais, não podiam frequentar o mesmo ambiente que eles, talvez, nem casa ou donos eles tinham e nem mesmo um nome de peso. Apesar de serem tratados de forma rude, eles continuavam ali fazendo de tudo para serem aceitos ou fazerem parte daquele mundo, era notório a diferença entre eles: pelagem, forma física, tamanho, acessórios (eles nem tinham algum) e estavam sem companhia de alguém, “bicho solto”. Eles acreditavam que poderiam estar ali e serem aceitos.
É lógico que entre esses vira-latas, havia alguns com comportamento diferente, existia nesses uma autovalorização, autoestima e o saber de que o que os diferenciava era apenas a classe social, eles tinham consciência de classe e pareciam lutar pelos seus direitos e contra algumas injustiças.
Foi aí que veio, à minha mente, o pensamento daquela praça ser a representação prática do Brasil. Ali eu via o verde das matas, o amarelo do ouro e o azul do céu enquanto os cães latiam: Ordem e progresso, sem dizer na diferença social entre os caninos, porém o que mais me fez ver o Brasil sendo simbolizado pela aquela praça, foi: o Vira-latismo exacerbado daqueles caninos de classe social menor, servindo àqueles que os desprezavam ou que nem sabiam sobre as suas existências. Foi ver que alguns cachorros achavam que poderiam fazer parte daquele grupo seleto.
Então fiquei pensando se ao invés de mim, estivesse ali sentado, naquele banco de praça, o grande dramaturgo Nelson Rodrigues. Ele diria que aqueles pobres caninos estavam sofrendo de: vira-latismo, inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Que o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: Essas pessoas não encontram pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.
Quem sofre desse complexo tende a acreditar que o Brasil, sua cultura, seu povo e suas realizações são inferiores aos de outras nações. Isso se manifesta em um pessimismo em relação ao próprio país, que é visto como incapaz de alcançar o sucesso ou a relevância no cenário internacional, alguns chegando a bater continência à bandeira alheia, como se fossem iguais a um cão sem raça definida à procura de “Pedigree”.
Fiquei surpreso com as várias atitudes por parte de alguns cães: Uns tinham a postura de serem aquilo que realmente são, outros buscavam as suas identidades nos outros cães de raça definidas.
Quando aqueles nobres animais se foram, a praça ficou quase vazia, pois aqueles vira-latas que não se curvaram às outras realezas, ali, permaneceram, vivendo suas vidas de maneira autêntica, enquanto os outros…
Jorge A.M.Maia
EITA, MUNDO DE CÃO

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