Por Vicente Cruz
As cenas de ruas alagadas, casas invadidas por enxurradas e comunidades inteiras isoladas pelas águas da chuva tornaram-se cada vez mais comuns nas cidades brasileiras. A deficiência dos sistemas de drenagem pluvial nos municípios é um problema crônico que escancara a fragilidade da infraestrutura urbana diante de uma urbanização acelerada, desordenada e marcada pela negligência histórica do poder público. Especialistas como o engenheiro sanitarista Tércio Ambrizzi, da USP, alertam que o sistema de drenagem no Brasil foi concebido para uma realidade pluviométrica do século XX e não suporta os volumes extremos das chuvas atuais. “O planejamento urbano não acompanhou as mudanças climáticas nem o crescimento populacional. A drenagem foi relegada ao segundo plano por décadas”, afirma Ambrizzi.
Boa parte desse colapso decorre da expansão urbana não planejada. Moradias são erguidas em áreas alagadiças, encostas e margens de rios, onde a presença do poder público é mínima ou inexistente. Além disso, o asfalto e o concreto avançam sobre os solos naturais, impedindo a infiltração das águas da chuva e aumentando o volume do escoamento superficial. O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim já denunciava que “a impermeabilização progressiva do solo urbano transforma a cidade em uma enorme calha, sem poros, que empurra as águas violentamente para os fundos de vale e zonas ribeirinhas”. Nesse cenário, as enchentes deixam de ser eventos naturais e tornam-se tragédias anunciadas, agravadas pela ausência de políticas públicas integradas e preventivas.
Outro elemento crítico é a precariedade das redes de drenagem. Muitos municípios contam com galerias antigas, subdimensionadas e sem manutenção periódica. Canais entupidos, bueiros obstruídos por lixo e ausência de limpeza agravam a situação. O engenheiro civil Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT-SP, defende que a drenagem deve ser entendida como “parte essencial da segurança urbana” e não como uma despesa acessória. “Falta cultura de prevenção no Brasil. Só se investe depois da tragédia”, afirma. A ausência de campanhas educativas e de fiscalização eficiente também favorece o descarte irregular de resíduos, transformando o sistema pluvial em depósito de lixo e ampliando o risco de colapsos.
Por fim, as mudanças climáticas impõem um novo desafio: chuvas cada vez mais intensas e concentradas. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) aponta o Brasil como um dos países mais vulneráveis a eventos hidrológicos extremos. Diante disso, cresce a urgência por soluções baseadas na natureza e por tecnologias sustentáveis de drenagem, como jardins de chuva, pavimentos permeáveis e reservatórios de detenção. O urbanista e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner defendia que “a cidade não deve lutar contra a água, mas aprender a conviver com ela”. O desafio está posto: é preciso repensar o modelo de desenvolvimento urbano, colocar a drenagem no centro das políticas públicas e garantir que o direito à cidade não se afogue na lama da omissão.