Ninguém quer perder as suas ilusões. Elas nos protegem da dura realidade.
Fazer planos parece ser algo impossível para muita gente. Aliás, para muitos de nós, sobreviver a mais um dia já é uma grande vitória.
O fato é que o mundo conhecido está em mudanças. Pode não ser a verdade que alguns querem enxergar, mas não se pode mudar a realidade dos fatos.
Em 1995, no Hotel The Fairmont, na Califórnia, cerca de 500 dos maiores líderes mundiais se reuniram e formularam o prognóstico de que viveríamos o sistema 20/80, no qual apenas 20% da força de trabalho moveria o mundo econômico. E os 80% remanescentes?
Além disso, o historiador Yuval Noah Harari diz que, até o ano de 2050, teremos uma nova classe de pessoas: “a dos inúteis”.
Desemprego não é só o que viverão, pois ocorrerá crise na empregabilidade, ou seja, na capacidade de se conseguir emprego e – como a concorrência será grande – se manter empregado.
É interessante notar que em 1995 não havia a nascente Inteligência Artificial e outras tecnologias hoje disponíveis, que indicam que muitas das atividades desempenhadas por humanos cederão lugar às máquinas. Além disso, as relações de trabalho e emprego não mais existirão do modo conhecido e as forças sindicais e patronais sentirão o peso do novo tempo.
A propósito, na semana passada abordamos o fato de que as crianças chinesas receberão aulas sobre a inteligência artificial e a sua funcionalidade e potencialidades. Isso é algo muito diferente do que, no geral, temos a oferecer aos nossos jovens, muitos dos quais ainda estão no tempo do “caderno e lápis”. Temos significativa evasão escolar, analfabetismo funcional de 29% (dados de 2018) e, apesar do nosso tamanho e da nossa imensa população, nunca recebemos o prestigioso Prêmio Nobel temos poucos doutores – cerca de 10 para cada 100 mil habitantes, enquanto a média global é de 30 para 100 mil habitantes.
Isso afeta a nossa capacidade, como nação, de enfrentar a concorrência mundial, assim como afeta cada brasileiro no enfrentamento da competição mundial por cada posto de trabalho e emprego. De fato, com a globalização e o seu aprimoramento e desdobramentos mais recentes, a empregabilidade passa por verdadeira revolução.
É curioso que a grande massa tenha preconceitos contra os mais bem-sucedidos, como se o sucesso pelo trabalho significasse algum tipo de ofensa e como se ganhar bom salário não se justificasse. A verdade incômoda é que será cada vez mais tempo de “cada um por si” no que diz respeito a lugar para conseguir vaga de emprego no mercado de trabalho. A solidariedade haverá de estar em tudo, menos na concorrência e disputa por vaga e no preparo de cada estudante e profissional.
Outra constatação importante é que o Estado não poderá prover renda para manter famílias e até o Presidente Lula já disse que o país não pode viver eternamente de Bolsa Família. Essa fala pode surpreender a muitos, por reproduzir modelo de críticas ao programa de longo prazo e que gerou dependência de famílias, exatamente pelos motivos suscitados no discurso presidencial.
Por outro lado e a esse respeito, vige percepção de que, já em 2027, as contas públicas brasileiras passarão por dificuldades até a crise que se antevê para o ano de 2029. Isso, talvez, esteja fomentando essa mudança na postura governamental. De toda sorte, como o Estado brasileiro fará, doravante, para fazer com que muitos voltem a estudar, objetivando se qualificar para ingressar no mercado de trabalho? Qual governante assumirá a desgastante missão de reformular programas dessa natureza?
Além disso, perdemos cérebros pela concorrência mundial e programas de bolsas de estudo podem ser usados para cooptar alguns dos melhores pensadores, como, há mais de 100 anos, já ensinava Halford Mackinder… Ensinamento que é atual e que não pode ser desprezado.
A verdade é que a natureza é competitiva. Animais competem por alimentos em geral e, particularmente, por fontes de proteína. As árvores competem por nutrientes e pela luz solar. Camuflam-se mariposas, camaleões, onças e zebras, para potencializarem a sua capacidade de sobreviver. Os humanos aprenderam a ser solidários e ter empatia, mas isso não os fez deixar de ser competitivos – e cada vez mais o seremos.
Pensando em oferta de empregos no contexto do aumento da competitividade nessa imensa população global, integrada por facilidades linguísticas e de circulação, é natural se reconhecer que haverá grande aumento na competitividade e que só os mais capacitados sobreviverão com bons empregos. Não pode haver ilusão a respeito. O mercado é voraz e precisa dos melhores quadros, dos mais dedicados e esforçados profissionais e estudantes. Quem pagar mais, levará os melhores.
Noutra linha de pensamento, não podemos desprezar outros fatos, como aquele registrado pelo jornal espanhol El Pais (16.4.2025) sobre “as cadeias de favores que mantém os cubanos à tona diante do abandono do Estado”. É mais um capítulo sobre o fracasso do socialismo/comunismo, que levou à queda da URSS e foi abandonado na economia global pela própria China, que se mantém internamente comunista, com todas as características de opressão, censura e centralização não democrática de poder, enquanto opera de modo capitalista para o mercado mundial.
Assim, é notório que as economias centralizadas terão cada vez mais dificuldade em prover os seus nacionais e que a luta pela produção e produtividade será cada vez maior, tanto entre as nações quanto entre as pessoas – dentro e fora dos limites territoriais dos seus países, nesse mercado mundial e cada vez mais sem fronteiras. Tal contexto valorizará a qualificação e a excelência no lugar do subjetivismo das simpatias e filiações partidárias.
Isso deverá criar rupturas amargas no mundo, com lamentável e dura divisão social e, talvez, quiçá, a constituição de um tipo novo de regime, um pouco mais próximo ao das castas e sem – ou pouca – mobilidade social vertical.
Juntemos a isso as crises de legitimidade no exercício do poder político, a insatisfação de grandes grupos diante das lideranças dos seus países, o radicalismo de alguns discursos pelo mundo afora, conflitos e guerras que se estendem, renovam e repetem e a pressão do narcotráfico na concorrência por clientes e dinheiro e teremos, assim, um quadro dantesco e que, infelizmente, se parece com a realidade em formação.
Entre atalhos e descaminhos, como empregar tanta gente no futuro? Como se alimentar tanta gente, se não tivermos oferta de emprego para tanta gente? Como sustentar as contas públicas, as despesas obrigatórias, os exércitos e os carentes? Qual será o conceito de carente, no futuro? Por qual caminho seguiremos? Teremos um bom atalho ou um descaminho?
ENTRE ATALHOS E DESCAMINHOS, TERÁ EMPREGO PARA TANTA GENTE?
