Se moda é mais do que consumo, por qual razão ainda precisamos tanto de coisas novas para vestir? Me perguntei isso hoje, vendo uma postagem no TikTok, na qual uma menina jovem dizia que se sente muito mais estilosa e bem quando veste algo novo, logo após a remoção da etiqueta. Quase a ideia que temos quando comemos uma fruta tirada do pé, por ser algo fresco, sabe? Como se essa roupa, amanhã, não fosse a mesma de hoje.
Pensei logo em informações que vi recentemente, de que brechós estão dominando o gosto do público e se tornando uma grande aposta de mercado, já que, segundo pesquisa do SEBRAE, a expectativa era de que o segmento girasse em torno de 24 bilhões de reais no Brasil, em 2025.
Segundo dados da ThredUp Resale, essa revolução é uma tendência global e não só algo do nosso país: as projeções são de que as vendas de roupas de segunda mão cheguem a 367 bilhões de dólares até 2029.
Esse fenômeno é chamado de moda circular, no qual eu acredito muito. Em um dos meus primeiros artigos, lembro de ter falado que compro frequentemente em brechós, inclusive roupas de festa. Me recordo, também, de já ter falado que tive um brechó por muitos anos!
Segundo o Índice de Transparência da Moda no Brasil, divulgado recentemente pelo Fashion Revolution, a circularidade é baseada em três princípios fundamentais: eliminar resíduos e poluição, manter produtos e materiais em uso e regenerar sistemas naturais. De acordo com a pesquisa, “diferente do modelo linear, que se baseia em “extrair, produzir e descartar”, ela busca criar um ciclo fechado, no qual os recursos permanecem em uso pelo maior tempo possível, reduzindo o desperdício”.
No Rio Ethical Fashion, evento do qual falei na semana passada, a professora Lilyan Berlim afirmou que, para compreender sobre a circularidade, é necessário entender que não dá pra crescer sempre, focar apenas em lucro, se contrapondo à lógica da natureza. Sem essa consciência, a circularidade se reduz a um simples modelo econômico, muito racional, ao invés de ser “uma maneira disruptiva de entender os processos, a interdependência e os fluxos no mundo”.
A força da economia circular pode estar na forma de pensar do consumidor. A ideia dos “Rs” que definem o desenvolvimento sustentável (reduzir, reutilizar e reciclar) se aprofunda em novos valores: responsabilidade, resiliência e regeneração. Tenho percebido que as novas gerações demonstram mais facilidade em adotar esses princípios do que as gerações anteriores, que ainda carregam certos preconceitos e visões limitadas sobre determinados temas.
Nem sei dizer, por exemplo, quantas vezes ouvi pessoas mais maduras dizendo que roupa de brechó carrega energia ruim, por ser usada… Essas ideias pré estabelecidas são, na verdade, crenças limitantes e, muitas vezes, preconceituosas, que nos impedem de experimentar novas formas de consumir.
As gerações anteriores cresceram pensando que, um dia, a crise climática chegaria. Foi o que elas aprenderam e escutaram, por toda a vida. As gerações atuais já nasceram com essa crise em vigência. Hoje, estamos cada vez mais em meio a debates sobre sustentabilidade, sobre o fim do mundo, sobre a soberba das grandes empresas e dos países que são potências mundiais.
Em relação a novas maneiras de consumir moda, acho importante falar que, além da compra em brechó, existe também a possibilidade de alugar roupas ou recebê-las por assinatura. Há um tempo existia, por exemplo, a Bump Box: um sistema de aluguel de assinatura de roupas para mulheres grávidas, onde as assinantes recebiam quatro peças por mês. A empresa garantia novidades, sem desperdício, para um período de vida especial, mas muito específico da vida dessas mulheres.
Existe ainda, dentro dessa ideia de brechó e bazar, a possibilidade da troca de roupas. Tenho uma amiga que criou recentemente um evento em que cada convidada levava quatro peças de roupa para trocar pelas peças de alguma outra, tendo a garantia de que outras pessoas no evento terão tamanhos semelhantes ao seu para a troca. Muito legal!
Globalmente, segundo pesquisa da WGSN, 40% dos consumidores da geração Z recorrem a brechós ou aplicativos e sites de revenda para encontrar peças que procuram e que não acham em lojas tradicionais. A justificativa é de que eles são impulsionados pela nostalgia e que, “como válvula de escape da realidade, os consumidores mais jovens sentem saudade de um tempo que não viveram” e que, portanto, sonham com roupas impossíveis de encontrar.
Acho que, para além desse sonho de uma roupa idealizada, de algo meio platônico, existe também a questão de que estamos com a imagem e o comportamento muito pasteurizados. Comprar em brechó nos possibilita encontrar roupas diferentes que, no meio da multidão, pode se destacar por não ser tão semelhante ao que todo mundo veste ou ao que a gente encontra em qualquer loja do shopping.
Uma parcela da população jovem quer consumir mais e mais, quer usar o que todo mundo usa, quer vestir o que a blogueira compra quando viaja para os Estados Unidos e comprar em apps chineses. Outra, que vem crescendo, parece mais aberta a adotar valores sustentáveis. Vejo que muita gente acha legal vestir roupa de brechó, por causa da ideia de garimpar, de procurar, de conseguir achar coisas vintage e etc. Cada vez mais também acham legal consumir de marcas que trabalham com upcycling, que modela, desmonta e reconstroi roupas e tecidos reciclados para criar novas, sendo um bom método para experimentar novas proporções, combinações de cores e texturas.
Trazendo novamente a Lilyan, mas dessa vez a partir do seu livro “Moda e Sustentabilidade: uma reflexão necessária”, no qual ela diz que “diferentemente do processo de reciclagem, em que se usa energia para destruir o produto e transformá-lo em matéria-prima para algo novo, o upcycling transforma produtos inúteis e descartáveis em novos materiais ou peças de maior valor, uso ou validade”. A cultura dos brechós e do upcycling, bem como de trocas de roupas e de aplicativos que redefinem o consumo para determinada fatia da população vem ganhando destaque.
Isso me lembrou uma pesquisa de 2021, publicada pela Modefica em parceria com a Regenerate Fashion e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, que dizia que 97% das pessoas acreditam que a moda e o vestuário “estão relacionadas às alterações climáticas e que têm impactos sobre o meio ambiente”.
Quem nada contra essa corrente do consumo exacerbado, nada a favor de um futuro melhor. Essa mudança de mentalidade revela que o verdadeiro poder da moda e da economia circular está, cada vez mais, na consciência do consumidor, que tem a chance de escolher onde comprar, em quais marcas e empresas investir, quais causas adotar.
Além de tudo, é um modo de ter coisas novas, sempre, no armário, renovando-o constantemente. Me conta, você pensa sobre circularidade? Você já mergulhou nessa tendência sustentável de comprar em brechó?
Guarda-roupa circular?
