Fui ao psicólogo para uma consulta normal com alguém meio anormal, digo o meu psicólogo. Como de costume, cheguei cedo e fiquei observando os “amigos” que lá estavam. Alguns diferentes daqueles ditos “normais”, ora pelas roupas, ora pela contagiante alegria. Porém, estavam todos ali, reunidos em prol da busca da sua própria verdade.
Dei uma pausa na observação para ouvir música e, coincidentemente, eu estava ouvindo “balada do louco” na voz do Ney Matogrosso e a letra me chamou atenção, aliás, parte dela.
“Dizem que sou louco por pensar assim. Se eu sou muito louco por eu ser feliz. Sim sou muito louco, não vou me curar, já não sou o único que encontrou a paz. Mas louco é quem me diz e não é feliz, eu sou feliz”.
E naquele momento me veio uma reflexão, e pensei: o que é loucura? Quem são os loucos? Em psicologia, loucura ou insanidade refere-se a um estado mental caracterizado por pensamentos ou ações consideradas anormais pela sociedade, geralmente resultado de um transtorno mental. A loucura pode também ser entendida como uma perda de contato com a realidade, um desequilíbrio emocional ou um desajuste na vida social.
Mas o conceito de “Louco” e “Loucura” pode ser explorado e desconstruído levantando questionamentos sobre quem é o verdadeiro louco da sociedade, se a razão é realmente racional e se a loucura é realmente louca. A loucura é uma experiência originária que a razão tenta dominar e controlar, mas que, no fundo, é uma fonte de conhecimento e de criatividade. Ela é uma força que pode levar à inspiração e à sabedoria, como a inspiração artística ou a comunicação com o mundo espiritual.
É perceptível que a loucura também pode ser vista como uma forma de resistência e de questionamento das normas e valores estabelecidos. Pode ser vista como um elemento essencial para a construção da razão e da normalidade, pois é através do outro da razão, da loucura, que a razão pode ser definida e compreendida e como um ato de desobediência e de questionamento das normais.
A loucura é um tema complexo e multifacetado que tem sido objeto de reflexão filosófica desde a antiguidade, com diferentes perspectivas que vão desde a visão como um fenômeno natural e universal até uma crítica à razão e à sociedade que a marginaliza. Ela não foi objeto investigativo dos filósofos, mas sempre se fez presente em suas obras – como suspeita e desconfiança, como embriaguez necessária e como negatividade. forma de possessão erótica capaz de levar à sabedoria.
Loucura é algo simples e simplesmente complexa, que se abriga dentro de um indivíduo. Ser louco é ser o que se é, em sua radicalidade. Ser louco não é para qualquer um. O louco é pura coragem por desafiar a imposição dos padrões. Ser louco é ser desbravador e ir ao encontro daquilo que o inquieta. A loucura está na visão daqueles loucos que não conseguem ver em si e aceitar a sua própria insanidade. O Artista é um louco deitado sobre a cama de sua própria loucura, a inspiração.
Onde há poder, há resistência” ser louco é ter poder. Ter poder sobre si e sobre padrões impostos pela sociedade. É resistir a qualquer imposição nomeada de realidade. É percorrer a loucura dos próprios loucos ou dos loucos de verdade.
Alguns dos amigos que estavam no consultório sussurrou para mim:
- A vida está uma loucura e cada louco tem a sua.
Então, eu perguntei a ele: - A sua o quê? Vida ou loucura? Ele me olhou e sorriu.
Percebi que o silêncio é uma loucura. Esperar em silêncio é também uma loucura. E eu fico louco de ter que esperar um louco para ouvir as minhas loucuras. Este clima está todo louco e o calor é uma loucura total. Desta forma, me defino como louco por viver nesta loucura.
Eu gosto muito de ir à terapia e o melhor, quando lá estou, é ficar observando os meus colegas loucos, pois eles são, além de livres, muito divertidos e falam o que lhes vem na telha. Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de outros loucos todos os dias. Se não era louco, ficou.
Alguém pode pensar que no seu estado de loucura, paz é o que se precisa. Mas tenho que me segurar, pois o que eu quero é que entendam aquilo que chamam de loucura, pois a prendo dentro de mim, e assim me completo de liberdade e ousadia, pois como louco, sou liberto de muitas mazelas impostas socialmente a mim. Desta forma, eu prendo a loucura em mim para sentir que tenho asas e poço voar.
Se é no mundo da loucura que encontramos a verdadeira felicidade, então com certeza irei para lá, pois para que serve a vida se não desfrutarmos dela loucamente? Quero dizer: de forma livre e descontraída, sem se preocupar com erros e acertos. Não dando bola para o pensamento alheio.
A coisa mais normal em mim é a minha própria loucura. Ela costuma deixar sempre a lucidez do lado de fora da casa, pois assim, aproveitamos mais a vida.