Durante muito tempo, o Amapá foi um ponto distante no mapa do Brasil, conhecido mais pelo que se dizia dele do que pelo que realmente era. Um território visto com curiosidade, mas raramente com compromisso. Enquanto outras regiões avançavam em infraestrutura, indústria e integração nacional, o Amapá permanecia à margem, invisível na pauta de prioridades do país. Uma ilha como muitos diziam, conhecido muitas vezes apenas pela expressão “do Oiapoque ao Chuí”.
Hoje, porém, algo muda, a possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial reacendeu o olhar do Brasil sobre nós. É como se, de repente, redescobríssemos o Amapá e, junto dele, a esperança de um futuro diferente.
Mas para entender o que esse momento representa, é preciso olhar para trás.
A história recente do Amapá é marcada por ciclos de expectativas e frustrações. No pós-guerra, quando o Brasil buscava expandir sua fronteira de desenvolvimento para a Amazônia, o Amapá despontava como símbolo de modernização. A criação do Território Federal do Amapá, em 1943, foi acompanhada por discursos grandiosos. O governo federal prometia transformar a região em modelo de progresso e soberania nacional.
Foi nesse contexto que, nos anos 1950, surgiu a ICOMI (Indústria e Comércio de Minérios S.A.), uma das maiores empresas mineradoras do país, com o objetivo de explorar o minério de ferro de Serra do Navio. O projeto parecia, à época, um marco de civilização. Estradas foram abertas, ferrovias construídas, cidades planejadas, e empregos surgiram em um ritmo nunca antes visto. Serra do Navio, com seu traçado urbano pensado para o bem-estar dos trabalhadores, virou símbolo de uma Amazônia industrial possível.
Por algum tempo, acreditou-se que o Amapá havia encontrado o caminho do desenvolvimento.
Com o esgotamento das jazidas e a saída da ICOMI, restaram ruínas e saudades. As casas antes cheias se tornaram lembranças; a ferrovia, antes pulsante, perdeu seu propósito – para quem já viajou pela BR-156, saindo de Macapá em direção ao Municipio de Porto Grande, já deve ter visto, ao lado direito às ruinas de vagões abandonados, como um retrato e memória do que já foi – Assim, a promessa de um futuro próspero evaporou junto com o minério que deixava o estado. O Amapá, novamente, ficou só, esquecido, dependente de repasses federais, à margem do debate nacional.
Essa história, no entanto, não deve ser lembrada com amargura, mas como lição. Porque ela nos ensina o que acontece quando um Estado é tratado apenas como fonte de recursos, e não como espaço de vidas, culturas e sonhos.
Hoje, quando se fala em petróleo na Margem Equatorial, o Amapá volta às manchetes. De repente, repórteres, investidores e ambientalistas redescobrem o extremo Norte. Mas o desafio é fazer dessa redescoberta algo diferente. O petróleo, quando vier, não pode repetir a lógica que marcou outros ciclos. Ele precisa ser a base de um novo modelo de desenvolvimento — um que desenvolva o Estado, valorize e prepare o futuro da nossa gente.
O Amapá é uma fronteira viva, não um depósito de recursos. É uma síntese da Amazônia biodiversa, estratégica e humana. Somos o estado onde o sol nasce primeiro no Brasil, onde a linha do Equador corta a capital, onde a floresta encontra o mar. E, ainda assim, durante décadas, fomos invisíveis. Poucos brasileiros sabem, por exemplo, que o Amapá possui uma das maiores proporções de áreas protegidas do país — mais de 70% de seu território. Isso, que um dia já foi um obstáculo ao desenvolvimento, hoje é um patrimônio.
Agora, o desafio é transformar potencial em realidade. A Margem Equatorial, que se estende do Rio Grande do Norte até o Amapá, guarda sob suas águas reservas de petróleo que podem reposicionar o país no cenário energético global. Mas o verdadeiro valor está no que podemos construir a partir disso.
O petróleo pode e deve ser o motor de uma nova era para o Amapá, mas somente se for usado com sabedoria. O estado precisa aproveitar o momento para investir em educação técnica, infraestrutura, inovação e, principalmente, na dinamização de suas vocações econômicas, para não ficar adstrito a indústria do Petróleo e Gás, como ficamos da ICOMI. O porto de Santana não pode servir apenas como ponto de passagem de riquezas, mas que o definamos como um símbolo de integração logística e crescimento econômico. Que a exploração venha acompanhada de contrapartidas sociais robustas, para que as comunidades locais sejam as primeiras beneficiadas.
Também é hora de repensar a matriz econômica do estado. Não podemos depender de um único setor ou de uma única empresa. O desenvolvimento do Amapá precisa ser diversificado. Fortalecer o agronegócio sustentável, o turismo ecológico, o setor pesqueiro, mineral, agropecuário e o manejo florestal, incluindo, a bioeconomia.
O Amapá tem tudo para se tornar referência nacional em economia verde, conciliando exploração racional de recursos com preservação ambiental. E isso não é discurso utópico; é uma realidade estratégica. O mundo está mudando, e o Amapá pode estar na vanguarda desse novo tempo. Se soubermos aproveitar a economia do petróleo, nos tornaremos uma Dubai melhorada, com águas abundantes e densas florestas.
Mas nenhuma riqueza é capaz de transformar um povo se o Estado não souber planejar. A grande tarefa dos próximos anos será garantir que o desenvolvimento seja planejado, participativo e transparente. Precisamos aprender com o que aconteceu em Serra do Navio e em tantos outros lugares do Brasil que viram ciclos de abundância se tornarem desertos de oportunidades, após a exploração.
Que o petróleo não seja um novo cometa que passa e vai embora, mas o início de um tempo contínuo de crescimento. Que ele financie escolas, hospitais, estradas, ciência, cultura e não apenas manchetes. Que essa nova chance venha acompanhada de um pacto político e social que coloque o Amapá como prioridade, e não como coadjuvante da Amazônia.
O povo amapaense é resistente, criativo e orgulhoso. Resistiu à distância, à ausência do olhar federal e às dificuldades de um território que sempre teve mais potencial do que investimento. Agora, tem diante de si a oportunidade de se reinventar. E essa reinvenção não deve ser feita apenas por quem vem de fora, mas por quem vive aqui.
O Amapá precisa se redescobrir a partir de dentro, das suas comunidades ribeirinhas, dos povos indígenas, dos seus jovens pesquisadores, dos empreendedores locais, dos artistas que transformam o cotidiano em identidade. O verdadeiro desenvolvimento só acontece quando nasce do povo, e não quando desce de um helicóptero.
Se o petróleo trouxe o Amapá de volta ao noticiário, que ele também traga o Brasil de volta ao Amapá, com respeito, com parceria e com responsabilidade. Que essa redescoberta seja mais que uma curiosidade geológica, que seja um reencontro moral entre um país e uma de suas partes mais ricas e esquecidas.
O Amapá está sendo redescoberto. Mas, talvez, o mais bonito dessa história seja perceber que ele nunca deixou de existir, apenas esperava ser visto com os olhos certos. E agora que as luzes voltam a brilhar sobre nós, cabe a cada amapaense garantir que esse brilho não se apague com o tempo, mas se transforme em chama permanente de desenvolvimento, dignidade e orgulho.

