Desde muito nova, eu já queria ser designer de moda. Um sonho meu desde os 9 anos… Existia uma ideia fantasiosa em torno do que era a profissão e, em 2016, aos 17 anos, quando entrei na faculdade, comecei a estudar com profundidade algumas coisas que nunca mais consegui esquecer. Me formei em 2020 e sou apaixonada por moda, mas sei que a indústria não é um mar de rosas.
Isso é importante: acho que hoje existe muito mais gente que ama roupa, do que gente que ama moda. A diferença entre as duas coisas é gritante e metade da galera que entra na faculdade de moda porque ama roupa, não acaba a faculdade. Moda vai muito além de roupa e esses valores, em proporção trocada, independentemente da razão, gera um desequilíbrio na indústria.
A gente começa a pesquisar coisas, a ler, a entender mais sobre o mercado e percebe que existe um lado da moda que é terrível e que é necessário ter muito estômago para topar mergulhar nele. Tem gente que tem, que topa, que vai. Tem gente que, assim como eu, prefere tentar nadar contra a maré e gritar, muitas vezes aos quatro ventos, que tem coisa demais errada por trás das cortinas.
Nesta semana, completam 12 anos da tragédia do Rana Plaza, edifício de Bangladesh que abrigava fábricas de roupas, que desabou deixando mais de 1100 pessoas mortas e 2500 pessoas feridas – das quais mais da metade eram mulheres. Com cerca de cinco mil empregados, essas fábricas produziam roupas para grandes marcas de moda que, já naquela época, tinham alcance mundial.
Consequentemente, por conta do desabamento desse prédio, surgiu o Fashion Revolution: movimento criado por um conselho global de apoiadores da moda sustentável, que hoje conta com ativistas, gente da imprensa, marcas engajadas, acadêmicos, consumidores…
O incidente trouxe à luz essa indústria que, por vezes, é tão horrorosa. Havia um lado obscuro que quase ninguém conhecia até então… A tragédia fez com que o mundo enxergasse o que está por trás das roupas com preço acessível que as marcas de fast-fashion nos oferecem… A tragédia infelizmente aconteceu, mas serviu para nos mostrar que as marcas estão dispostas a ultrapassar todos os limites para lucrar.
O movimento que surge vem com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e o seu impacto em todas as fases do processo de produção, até o consumo, além de servir para alertar os consumidores sobre esse lado da moda tão injusto e soberbo, mostrando ao mundo que não é impossível uma mudança com a criação de um futuro mais ético e sustentável.
A indústria têxtil é uma das maiores do mundo. A moda é uma força a ser considerada. Ela inspira os que a amam e cativa os que a consomem. Ao longo desses anos, o Fashion Revolution se tornou um movimento de escala global e está aí, até hoje, para tornar a moda uma força para o bem.
Lilyan Berlim diz que “o desenvolvimento industrial nos últimos dois séculos impactou o planeta de forma contundente, causando ganhos e danos à humanidade” e, acrescenta que, dos danos causados, temos que considerar “a degradação do ambiente natural, a perda de biodiversidade, a deterioração dos solos, o desperdício e uso leviano dos recursos naturais, o crescimento excessivo do lixo e, em especial, a fome e a miséria”.
Hoje, com o crescimento exponencial das marcas de fast-fashion e, ainda pior, com o aumento descontrolado do consumo dessas marcas, é mais do que necessário questionarmos quem está por trás das roupas que compramos.
A marca faz apenas reproduções de grandes marcas? A marca tem design original, mas terceiriza a produção? Quem costura essas roupas está vivendo sob boas condições de trabalho? Quantas horas por dia essa pessoa trabalha, quanto ela ganha? De que material a roupa é feita? De onde vem e quem produz essa matéria-prima?
Esse assunto está sendo muito discutido na última semana, por conta da guerra que acontece entre EUA e China. Os chineses começaram, como consequência de todo o resto, a denunciar que várias marcas europeias e americanas usam mão de obra chinesa na produção dos seus produtos, pagando preços baixíssimos e os vendendo por preços altos ao redor do mundo.
Quando falamos de sustentabilidade e escolhas conscientes, queremos dizer que isso é necessário porque qualquer escolha nossa tem um impacto no dia de amanhã. Não só com o meio ambiente, mas com outras coisas também.
A moda sustentável preza criar produtos que demonstrem consciência diante das questões sociais, econômicas e ambientais, enquanto consegue expressar os desejos de consumo da população de forma ética!
As marcas precisam ser mais transparentes e a gente tem o poder de exigir isso delas! Além disso, a gente tem que consumir de um jeito mais consciente, questionar mais o que compramos, fazer a nossa parte… Roupa não é descartável, nunca foi e não é pra ser. Então, por qual razão compramos roupas que estragam facilmente? Por que aceitamos esse tipo de consumo? Por que não ligamos para a produção dessas roupas, para como as marcas funcionam por trás do que conseguimos ver? Por que não ligamos para as vidas responsáveis pela produção das peças que compramos por preços tão baixos? Por que aceitamos que as marcas caras também usem essa mão de obra mais barata e nos cobrem uma fortuna pelas peças no final?
O consumo de moda sempre foi um ato político. Lembrem-se do Rana Plaza, que desabou em 2013… Não podemos mais fingir que não acontece. Agora, depois de todas as polêmicas, precisamos mais do que nunca questionar as marcas e levantar a bandeira da sustentabilidade para dizer que estamos pensando, sim, sobre ética e responsabilidade ambiental, social e econômica.
O consumo de moda é um ato político
