Nesse ultimo domingo (26), pelo YouTube, acompanhava as eleições de meio de mandato da Argentina. Bandeiras ao vento de La Libertad Avanza. Fogos estouravam, multidão em festa, o peso argentino saltando 10% no câmbio paralelo, e Javier Milei, o presidente com cara de rockstar anarquista, gritava do palanque: “A motosserra ganhou! Vamos serrar o Estado inchado!”. Do outro lado do Prata, em São Paulo, uma fábrica de autopeças fecha as portas pela enésima vez. Demissões, Selic em 15%, inflação roendo o salário mínimo. Enquanto a Argentina celebra um “ar fresco” para reformas radicais, o Brasil sufoca com o ar rarefeito da grande carga tributária e com o poço fiscal sem fundo. Lições de um espelho distorcido? Ou apenas o eco de escolhas opostas em dois países que tanto se parecem?
Lembremos o ponto de partida. Em dezembro de 2023, quando Milei assumiu, a Argentina era um caos. Inflação anualizada em 211%, pobreza acima de 50%, dívida externa sufocante e um Estado que consumia 45% do PIB em subsídios ineficientes. A resposta? Cortes drásticos. Eliminação de 9 ministérios, redução de 70 mil cargos públicos, fim de transferências para províncias deficitárias. A “motosserra” doeu. Recessão de 3,5% em 2024, protestos nas ruas, mas os frutos brotaram. Em 2025, a inflação caiu para 25% ao ano, o risco-país despencou de 2.000 para 800 pontos, e investimentos estrangeiros somaram US$ 20 bilhões só no primeiro semestre, atraídos por privatizações como a da Aerolíneas Argentinas e desregulamentações laborais.
O reflexo disso? Com cerca de 40,7 % dos votos nas legislativas de meio de mandato, o partido La Libertad Avanza, de Ravier Milei ganhou espaço no Congresso, reduzindo bloqueios para aprovar cortes de gastos, privatizações e redução de subsídios, uma virada liberal que muitos consideravam impossível.
Os mercados adoraram. Na noite da eleição, a bolsa de Buenos Aires subiu 5,3%, bonds soberanos ganharam 15%, e o PIB é projetado para crescer 4% em 2026, segundo o FMI. Mas Milei não reinventou a roda; ele simplesmente decidiu fazer o que era necessário. No trade, o país anotou superávit de quase US$ 19 bilhões em 2024, com forte impulso das exportações de agro-energia. É a confiança retornando, investidores reaparecendo, risco-país recuando, câmbio se estabilizando. A Argentina serrando correntes estatais que até pouco tempo pareciam indestrutíveis.
Agora, corte para o Brasil, onde o roteiro é de terror fiscal. Sob Lula, reeleito em 2022 com promessas de “reconstrução”, o país acumula déficits primários que beiram R$ 300 bilhões em 2025, equivalentes a 3% do PIB, mas com uma dívida pública inchada para 82% do PIB. Onde a Argentina cortou, aqui se aumenta. O pacote tributário de 2024, batizado de “reforma” mas visto como confisco, elevou alíquotas de IR para rendas médias, ICMS sobre combustíveis e até taxou dividendos, sufocando o consumo que já patina com inflação.
As estatais, outrora joias da coroa, viraram zumbis. A Petrobras, interferida politicamente para conter preços de gasolina, registrou prejuízos de R$ 15 bilhões em 2024, forçando emissões de dívida que encarecem o crédito para todos. Correios e Eletrobrás sangram. A primeira com rombo de R$ 2 bilhões anuais por ineficiências; já a segunda, pós-privatização parcial sabotada por nomeações ideológicas, vê sua eficiência cair 20%. Resultado? Fechamento de 220 mil empresas em 2024-2025, segundo a Serasa, com 1,5 milhão de demissões no setor industrial. A Selic, ancorada em 15%, é o carrasco – crédito caro mata investimentos, e o PIB cresce míseros 1,8% — estagnação disfarçada de “estabilidade”.
É o ciclo vicioso do intervencionismo petista. Gastos sociais recordes, financiados por endividamento, sem contrapartidas de produtividade. A dívida bruta do governo já está em patamares próximos a 76% do PIB. O déficit nominal, segundo o International Monetary Fund (IMF), está projetado em 8,5% do PIB para 2025, o que é elevado até para emergentes.
Enquanto Milei privatiza, Lula nacionaliza; enquanto o argentino desregula, o brasileiro regula mais. O paralelo é cruel. Ambos os países emergem de ciclos longos de populismo intervencionista. Na Argentina o kirchnerismo, no Brasil o petismo, regimes que guardavam como mantra o “Estado grande” e o controle sobre a economia. Milei optou pelo choque libertário. Cortar gastos, privatizar, abrir mercado. O Brasil escolheu adiar reformas, apostar em estímulos, aumentar tributos para cobrir rombos. O crescimento do PIB está abaixo de 2-3% e a dívida cresce. O espelho distorcido mostra que reduzir o Estado dói. Lógico! Corta privilégios, mexe com interesses. Mas manter o Estado inchado cobra imposto altíssimo de futuro. Se o Brasil tivesse um “Milei”, não necessariamente o imitador literal, mas alguém disposto a ser incômodo e cortar, talvez houvesse chance de resgate real.
Há ainda um contexto geopolítico maior, os EUA sob Donald Trump e sua agenda protecionista veem na Argentina um aliado emergente. Reformas, liberalização e aberturas. Enquanto isso, o Brasil, no meio-campo, arrisca virar lastro de instabilidade latino-americana se falhar no ajuste. Dívida alta, estatais ineficientes, política econômica volátil, essas são chagas que ecoam além-fronteiras. Se a Argentina vira “modelo de choque”, o Brasil pode se tornar modelo de derrocada e nenhum desses convites é desejável.
O Brasil precisa de um motosserra ou de mais curativos? A Argentina nos mostra que o caminho da liberdade econômica dói no curto prazo, mas salva no longo. O Brasil parece acreditar ainda em curativo eterno. Estímulo aqui, subsídio ali. Como disse o próprio Milei: “Sem déficit zero não há soberania”. E se o Brasil não virar a mesa antes que a dívida vire corrente que não se segura. Reformas não são escolha, são urgência. Enquanto os argentinos cortam correntes, os brasileiros afundam em areia movediça fiscal e um passo errado custará muito caro. O relógio já está correndo.

