Na última quinta-feira, dia 09/10/2025, aconteceu a quinta edição do Rio Ethical Fashion, fórum internacional de moda sustentável, no Rio de Janeiro. Por ser a que antecede a COP30, esta edição do evento ganhou ainda mais destaque e aconteceu no Museu do Amanhã, famosa instituição de ciência, arte e inovação, que visa promover alguma reflexão sobre o futuro, em cada visitante.
O evento debateu temas importantíssimos que orbitam a sustentabilidade e contou com a exposição de roupas do Rodrigo Tremembé, Ronald van der Kemp e, também, de ações de empresas como a Travessa e a Renner, patrocinadoras do evento.
Houve debates sobre cadeia produtiva, responsabilidade ambiental e social nos processos de produção, inovação tecnológica de materiais sustentáveis, economia circular, ancestralidade, cultura tradicional e saberes locais, valorização de trabalhos artesanais, extrativismo regenerativo, bioeconomia, justiça social, com inclusão de comunidades entre outras coisas.
O evento, além de ser importante para discutir todos esses temas fundamentais e urgentes para o mundo, posiciona o nosso país no centro dos debates globais sobre moda, ética e sustentabilidade, levando conhecimento para a sociedade e promovendo visibilidade sobre esses assuntos.
Saí do Museu com a cabeça fervilhando e refletindo sobre as minhas anotações, riquíssimas, que partiram da fala de cada um dos palestrantes. Mais tarde, lendo-as, percebi que havia algo em comum em todas as mesas, com temática que, para além da sustentabilidade, criava uma linha imaginária que conecta todas as discussões: a nossa percepção do tempo.
Uma fala em específico tocou o meu coração, porque é algo que acredito e que até já discuti aqui outras vezes. Recentemente, inclusive, fiz um artigo intitulado “Sustentar o silêncio”, onde provoquei uma reflexão sobre algo do qual falaram, na quinta-feira, no palco do Rio Ethical Fashion.
No keynote chamado “O tempo de fazer: manualidade como ética e reconexão”, Fe Cortez, comunicadora socioambiental e fundadora da Menos 1 Lixo, refletiu sobre como a manualidade pode ser uma forma de resgatar o tempo do fazer e de estimular a criatividade, promovendo reflexão e reconexão, em um mundo de hiperconsumo e hiperconexão. Falo disso também quando discuto o luxo aqui com vocês.
Há um tempo, quando falei que “máquina nenhuma no mundo pode, de fato, substituir o que a gente faz” e que, ao mesmo tempo, “o mundo não pode esperar que a gente seja capaz de entregar nada no ritmo de uma máquina”, eu dizia também que o tempo é aliado e que é a partir dele e do respeito à ele que conseguimos digerir o mundo e nos colocar acima do óbvio, para continuar criando, experimentando, fazendo. O gerúndio dos verbos, para acontecer, precisa de tempo.
Após o evento, me questionei ainda mais sobre esse universo e pensei sobre novas formas de viver e criar em sociedade, especialmente hoje, com o avanço das inteligências artificiais.
Em seu mais novo livro, “Charada do fim do mundo: a inteligência artificial ante a ética da nossa inteligência”, o meu pai, Rogério Devisate, explora questões éticas relacionadas às IAs e nos propõe reflexões muito importantes. Fiquei pensando que, talvez, a crise ambiental que vivemos seja uma crise que esbarra na ética, nos nossos valores, na nossa humanidade, não tão diferente da crise que vai chegar com a difusão do uso das inteligências artificiais.
A ética permeia as nossas vidas, desde quando saímos de casa pela manhã até o lugar que cedemos no ônibus, a correção nas nossas atuações profissionais e onde jogamos o lixo que produzimos, por menor que seja. No entanto, o modo competitivo parece colocar uma neblina nisso e o mundo atropelou muitos valores, que precisamos recuperar.
A grande questão da fala da Fe Cortez, na minha opinião, é que o fazer a mão nos dá noção do tempo das coisas, nos traz para o presente, nos faz ter ideia do tempo dos processos e nos coloca no ponto para valorizá-los. A manualidade é capaz de nos tirar dos excessos e, como ela mesma disse, “abrir caminhos para tecer novas formas de futuro”, regenerando o tecido social que também é vital para nós, seres humanos, seres sociais.
Aqui, é fundamental falarmos da manualidade como uma inteligência humana. Volto ao que falei anteriormente no artigo de setembro: tem coisas que só os humanos são capazes de fazer e sentir. É do sentir que a gente pensa, que a gente cria, que a gente vive. É isso que nos move. É isso que precisa mover a gente.
Também discuti um pouco sobre isso em abril, no artigo intitulado “A arte e os minutos que nos salvam”, onde registrei que “a arte é, acima de tudo, capaz de nos trazer para o momento presente”.
Finalmente, depois de tanto debate, reflexão e de tanto revisar as anotações que fiz no Rio Ethical Fashion, percebo que o mundo, em todas as suas esferas, pede calma, enquanto a sustentabilidade é urgente. Não à toa, precisa ser obrigatório considerar isso dentro de todas as empresas, de qualquer segmento. Sob outro prisma, essa pressa toda é o que contribui para tantos casos de depressão e crises de ansiedade e burnout.
Quando se trata de moda, penso que ela pede calma porque o excesso e a pressa nos faz perder, de pouco em pouco, o sentido do vestir. Roupa vira algo automático, sobre consumo e tendências e um calendário trimestral que visa gerar lucros e não liga para os impactos socioambientais. Porém, não podemos nos esquecer que moda comunica e que cada peça carrega um tempo e uma história de dedicação e trabalho. Não podemos ignorar todos os processos que a produção de uma peça envolve, nem as pessoas que participam dele.
O ritmo frenético e incansável da indústria nos cansa e nos desgasta. Estamos nos esgotando e esgotando os nossos países, os nossos recursos… Desacelerar é restabelecer a consciência, é devolver para si mesmo e para o mundo o sentido, o propósito, o valor, a beleza… É nos devolver possibilidades de nos sentir em paz, simplesmente.
A calma traz transformação e é a partir da educação da população e dos consumidores, que conseguiremos transformar o mundo em escalas maiores. Não existe uma pequena ação que não gere resultado ou consequência, seja ela boa ou ruim. Por isso é importante agirmos de maneira ética sempre, no âmbito social e ambiental, para promover o bem, ainda que em microdoses, todos os dias.