A Amazônia é frequentemente lembrada como o “pulmão do mundo” e como uma das maiores reservas de biodiversidade do planeta. Mas para além do seu valor ambiental, ela ocupa posição estratégica no tabuleiro geopolítico internacional. Dentro desse tabuleiro, o Amapá deixou de ser um “fim de mapa” para se tornar vértice de três agendas nacionais de extrema relevância, destacando-se a segurança de fronteira e integração com o Platô das Guianas, seguido pelo potencial da logística do Arco Norte, que redefine o escoamento de grãos brasileiros e a segurança energética na descoberta do novo pré-sal na Margem Equatorial.
Por fatores históricos, desde o processo de colonização, a fronteira norte do Brasil é uma das menos povoadas e mais isoladas do país. Esse fator desabonador de integração nacional, trouxe um único aspecto positivo, mas que no contexto atual, ganha grande importância, pois também é o mais preservado. Nas palavras de Nicholas Spykman: “a geografia não muda, e por isso, a posição de um país é sua herança permanente”. O Amapá, por sua localização, herda tanto oportunidades quanto responsabilidades.
No aspecto ambiental, até então o único em destaque da região norte, agora, tem novos aliados, fazendo com o foco da politica estratégica de desenvolvimento do país passe, necessariamente, pelo Amapá.
A começar pela descoberta de petróleo e gás na Margem Equatorial, faixa que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte e compartilha semelhanças com as descobertas da Guiana e do Suriname. Não por acaso, é considerado como a fronteira exploratória mais promissora do país. O paralelo com a Republica Cooperativa da Guiana, que avança para 1 milhão de barris/dia até 2027, ajuda a dimensionar a perspectiva exploratório e o potencial de efeitos multiplicadores em regiões periféricas do Brasil. Tornando-se, portanto, fator de segurança enérgica para a nação brasileira.
A Margem Equatorial funcionará como “reserva de futuro”, servindo para diversificar a base produtiva e mitigar os riscos da concentração da produção em apenas uma região do país. Em números, segundo a Confederação Nacional da Indústria o potencial é de geração de mais de 300 mil empregos formais, com acréscimo estimado ao PIB de 400 a 800 bilhões de reais, com tributos diretos na casa de 25 a 46 bilhões por ano, além de royalties de cerca de 30 bilhões/ano. E tudo isso, seguido pelos próximos 30 anos.
Para nós amapaenses, a Confederação Nacional da Indústria projeta um aumento de 61,2% no PIB estadual, o que representa 10 bilhões de reais e a criação de cerca de 54 mil postos de trabalho. A combinação de investimento em exploração/produção, serviços marítimos, apoio logístico portuário e bases de resposta ambiental cria um “complexo” econômico de alta densidade, sendo que dos 54 mil empregos estimados para o Amapá, a maior parte é indireta e induzida pelos setores da construção civil, hotelaria, alimentação, transporte fluvial e rodoviário, serviços técnicos (soldagem, automação, instrumentação, inspeção), além de pesquisa aplicada (monitoramento oceânico, modelagem de derrames, resgate de fauna). O efeito-renda multiplica-se sobre comércio e serviços locais, amplia a base de contribuintes e eleva a arrecadação de ICMS, ISS e taxas, o que se traduz em capacidade de financiar programas estruturantes como a expansão de atenção primária em saúde, modernização de escolas técnicas e investimentos em conectividade — essenciais para capturar os empregos de melhor qualidade que o ciclo de óleo e gás pode trazer.
Tudo isso, entretanto, não passa despercebido aos olhos do mundo, principalmente, pelos da classe dos ambientalistas. A pressão internacional para que o Brasil preserve a Amazônia é crescente, e o Amapá, que possui cerca de 73% de seu território sob áreas de proteção, torna-se vitrine — e também alvo — nesse debate. Como afirmou o diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, “a Amazônia é um ativo estratégico, mas também um passivo se não soubermos administrá-la”. A COP 30 que acontecerá no nosso vizinho, Belém do Pará, que o diga. IBAMA e Ministério Publico Federal fazem força para barrar o avanço. O Amapá resiste!
Paralelamente ao petróleo, a outra chave estratégica para o desenvolvimento econômico do Amapá está no escoamento de grãos do Brasil. Em 15 anos, o Arco Norte deixou de ser promessa para virar realidade. Sua participação nas exportações cresceu de patamares próximos a 12% no início da década passada para cerca de um terço a quase metade, dependendo do produto e do mês/safra. Só em 2024, por exemplo, portos do Arco Norte responderam por 31,6% do volume combinado de soja e milho no 1º trimestre; em novembro daquele ano, foram 35% da soja — participação que vem ganhando terreno ante Santos e Paranaguá. A rota inclui Santarém e Miritituba (transbordo fluvial no Tapajós), Barcarena/Vila do Conde, Itacoatiara e, crucialmente para nós, o município de Santana-AP.
No Amapá, o Porto de Santana movimentou 2,627 milhões de toneladas em 2023 (alta de 42,2% sobre 2022), com mix que inclui cavaco de madeira, milho, soja e minérios, consolidando-se como porta de saída do arco para o Atlântico Norte.
Esse arranjo logístico tem implicações estratégicas para o Amapá, primeiro, porque encurta distâncias aos mercados do Atlântico Norte, reduzindo, desta forma, o custo de frete e tempo de trânsito; segundo, coloca o estado na rota de contratos de longo prazo de tradings e armadores; terceiro, estimula investimentos privados em terminais, estaleiros de apoio, dragagem e retroáreas e; por ultimo, amplia a integração com os eixos Santarém–Miritituba e, por extensão rodoviária, com o Centro-Oeste e com Roraima. Assim, o hub amapaense ganha, relevância para o agro, para a mineração e para novos fluxos de carga geral, especialmente, com as políticas de regularização fundiária, com a liberação de licenças para mineração e com a inauguração da nova rota marítima ligando o Porto de Santana com o Porto de Gaolan, em Zhuhai, na China, realizada no ultima dia 31 de agosto deste ano.
Em derradeiro, a posição do Amapá na fronteira com a Guiana Francesa projeta o estado para uma agenda de segurança e cooperação transfronteiriça singular no Brasil. A intensificação de tráfego marítimo e de investimentos (óleo e gás, logística, mineração legal) exige reforço de vigilância costeira e fluvial, melhoria de sinalização náutica, digitalização aduaneira e sanitária e protocolos conjuntos de busca e salvamento.
Na tangente, sob o viés econômico, o Amapá pode se apresentar como “porta brasileira” para cadeias de valor do Platô das Guianas e Caribe, atraindo oportunidades de abastecimento, atualmente, comandado pela Europa. Como case de sucesso no cenário comercial, que demonstra muito claramente o potencial dessa relação, a empresa FRANBRAZ, genuinamente amapaense é uma das grandes exportadoras de frutas e legumes e gêneros alimentícios em geral.
O Amapá, portanto, não é mais apenas um ponto no mapa brasileiro; é uma porta aberta para o Atlântico Norte, para a Europa e para a integração amazônica. Em um mundo interconectado, cada região carrega consigo responsabilidades e oportunidades únicas. Cabe a nós decidir se essa posição será explorada com visão estratégica ou se continuará sendo um ativo subaproveitado. Devemos ser protagonistas no cenário nacional e internacional, não meros espectadores passivos, mas um agente ativo na construção de um futuro próspero.
O Papel Estratégico do Amapá na Fronteira Norte do Brasil
