Marcava seis da manhã o relógio do quarto quando meus olhos se despertaram ávidos enquanto o canto dos pássaros me levantava com um sorriso prazeroso estampado no rosto. Era domingo, que para muitos é um dia para descansar, um dia para ficar na cama e assistir a um bom filme, porém esse domingo já amanhecera diferente. O sol nasceu aceso, convidando-me para ir à praia ou para um bom igarapé aqui pela região mesmo. Aceitei, esse convite da natureza, pois eu já tinha resolvido fazer um bom almoço para os meus familiares.
Todos sabem que essa coisa de almoço familiar precisa de uma logística apurada para que tudo dê certo, mas o dar certo é aquele, tipo: não foi perfeito, mas foi bom, ou seja, um evento com menos anomalias possíveis.
Então, conversei com minha esposa sobre qual seria o prato principal do almoço. Já estava certo a sobremesa, a qual seria trazida por minha cunhada, assim como algumas bebidas seriam trazidas por cunhados e isso incluía refrigerante, cerveja e sucos. E o prato principal? Para muitos, domingo cai bem com churrasco, mas esse prato já tinha sido o do almoço passado. Pensamos em massa, porém, a mulherada da família está em dieta e, de acordo com elas, massa engorda.
Sendo assim, resolvemos fazer uma caldeirada e peixe frito. Agora, o problema seria o tipo de pescado que iríamos pescar, e isso nos trouxe uma dúvida terrível, pois ficamos entre filhote e mero, este último é um peixe pouco conhecido aqui na região e que também está difícil de encontrar, pois sua pesca e comercialização estão proibidas, e eu, como todo bom filho de bragantino e vigiense que sou, tinha uns quilos guardado na geladeira.
Na conversa sobre a escolha do peixe, eu tive uma brilhante ideia. Do mero, faríamos a caldeirada, e o filhote faríamos frito na farinha Panko, a qual deixa o peixe bem crocante. Vamos à logística novamente: para uma caldeirada excelente precisaríamos de peixe, alguns legumes, ovos, jambu (dá um sabor incrível na caldeirada) camarão-rosa ou do Maranhão, lula, etc.
Então, disse para minha esposa que eu estava indo à feira para comprar algumas coisas que estavam faltando, foi quando eu ouvi aquela voz dizendo: — Não esquece da Chicória e da Alfavaca, pois vou usar um pouco de tucupi e preciso fervê-lo com essas folhas
— É só isso?
— Não, traga mais chicória, pois vou usá-la no peixe. Ele ficará mais saboroso.
Fiquei alguns minutos pensando sobre a importância que ela deu à chicória para o preparo do peixe e como ele deixaria o prato mais saboroso. Logo, vieram à memória as caldeiradas passadas, as quais de verdade estavam muito saborosas e dando de mil a zero em qualquer uma já comida aqui na região.
Pensei na importância das hortaliças na cozinha do nosso dia a dia e como elas deixam qualquer comida deliciosa e diferenciada. Isso me fez lembrar de um poema de Lu Moraes chamado de “Cheiro de Chicória.” Realmente é muito difícil viver sem hortaliças. Fiquei pensando nos horticultores que as cultivam com todo cuidado e carinho, como para eles deve ser, viver sem elas.
Ouvi dizer que a sua colheita traz alguns percalços à pessoa ou às pessoas que por força do ofício tem que passar. Uma certa coceira, a qual eu não sei se é pelo picar das folhas ou pelas nuvens de mosquito que passeiam pelo local da colheita. Eu só sei que não é por conta da dexametasona.
Chegando à feira, percebi que muita gente comprava chicória, uns diziam que iam colocar no frango, pois ele ficava muito bom quando temperado com chicória, outros diziam que iam colocar no peixe, o qual ficava uma delícia. Comecei a perceber que minha esposa estava certa ao me pedir para não esquecer da bendita chicória que também é popularmente conhecida como.
Chicória-do-norte, coentrão, coentro-de-caboclo, coentro-do-Maranhão e salsa-do-Pará, ela pertence à mesma família do coentro. Tem sabor e aroma parecidos com os do parente próximo, embora o cheiro traga notas mais florais e a qual pode ser comida crua.
Pois bem! Ao chegar em casa, minha esposa veio logo me perguntando:
— Você trouxe a chicória?
— Lógico — disse-lhe eu.
Começamos o preparo do prato com toda aquela logística permeada de carinho, amor e bom humor. Cada tempero (verduras e legumes) era cortado com maestria por quem queria fazer um excelente prato. O pescado já estava temperado e pronto para ir à panela, minha esposa cortava a chicória em pedaços médios e seu aroma se espalhava pela cozinha. Tudo já estava sendo cozido com aquele toque perfeito dado por aquela folha que se tornará a protagonista daquele delicioso prato.
Depois de algumas, poucas, horas, o prato já estava prontinho e como de costume, ela me chamou e disse:
— Amor, venha, prove e me diga se está gostoso!
Peguei a colher e fui direto ao caldo que por sinal estava excelente e com um cheiro delicioso.
— Huuuummm, que delícia está esta caldeirada — disse eu, todo cheio de desejo para degustar aquele prato tão delicioso, feito com muito apreço.
Chegou a hora do almoço, os familiares todos já sentados e só esperando a hora para atacar. Quando a panela foi colocada na mesa, o cheiro invadiu a sala de jantar (apesar de ser almoço) e todos começaram a comer. Depois de alguns minutos, alguém perguntou:
— Que cheiro gostoso é esse que vem deste peixe?
— É chicória! — respondeu minha esposa.
E todos se fartaram a comer, os homens por serem homens comiam mais. Os elogios eram falados a toda hora, porém, o que chamou a atenção foi que os maridos começaram a elogiar minhas cunhadas. Um dizia:
— Amor, você está linda!
O outro exclamava: — Você é maravilhosa, que benção é ter você.
As cunhadas perguntavam o que se sucedeu para tantos elogios.
Uma perguntou para minha esposa: — O que tu colocaste neste peixe que fez esses rapazes falarem coisas que não dizem no dia a dia?
— Eu não sei o que ela colocou, eu só sei que para o esposo dela não fez efeito, pois ele nada falou para ela. Retrocou um dos cunhados.
Eu comecei a rir, pois eles não conheciam o poder da chicória ou nunca tinham lido o poema de Lu Moraes. Eu já tinha sido consumido ou enfeitiçado por esse poder desde o começo do cozimento do peixe. Desta forma, usarei parafraseando esse grande poeta de poemas-crônicas, o que dei a eles como resposta:
“Eu, contumaz, cheguei à minha esposa com carinhos e afagos e cheio de boas intenções, sabendo que a chicória não mente e sem disfarce algum, deixei escapar”.
— Nooossaa, que peixão!
Uma coisa eu sei: Eles não entenderam nada. Foram enfeitiçados e nada perceberam. Mas eu… E desde aquele dia, cada vez que chego em casa, trago comigo o poder da chicória em meus olhos e, sem qualquer disfarce, sempre deixo escapar…
Jorge A. M. Maia