Acreditar ou não em alguma coisa pode depender de vários fatores, da autoridade de quem nos fala, da distorção de imagem, da incapacidade de compreensão dos fenômenos e da mera falta de vontade.
O mundo está cheio de gente que acredita nas coisas apenas porque não consegue argumentar em contrário, algo como, “se dizem que é assim, então é”. As massas têm sido manipuladas ao longo da história e isso não mudará. Freud investigou os fenômenos de massa e como contagiam o comportamento individual. Além disso, Nelson Rodrigues já disse que “toda unanimidade é burra”, enquanto Paul Valéry, filósofo francês, já havia dito que “o que tem sido acreditado por todos, e sempre, e em toda a parte, tem toda a probabilidade de ser falso”.
Há anos tivemos no Brasil o Plano Cohen, um grande manifesto atribuído aos comunistas e que teria o propósito de derrubada do governo Vargas, por meio de movimentos de agitação popular, greves e a depredação e o incêndio de prédios públicos. O governo reagiu e instaurou a Ditadura de 1937. Depois, constatou-se que o documento era absolutamente falso. Quantos “Plano Cohen” tivemos no mundo?
Não foi o único documento forjado a justificar reações, mundo afora, ao longo da história. Lucien Lebvre escreveu um livro que nos faz refletir sobre esses mecanismos. Foi escrito sobre o Século XVI, quando não havia a ideia de ateísmo como conhecemos, avaliando as complexidades da crença e os dogmas religiosos e sociais que simplesmente impediam que se duvidasse de certas questões. Para compreendermos o seu impacto é importante lembrar que é anterior às condenações de Giordano Bruno e de Galileu Galilei, o primeiro porque dizia que a Terra é redonda e o segundo porque dizia que girava em torno do sol.
Naqueles tempos, duvidar poderia envolver o conceito de heresia, com as suas consequências. Dever-se-ia apenas acreditar, sem duvidar, sem questionamentos. Mansamente... do mesmo modo que se deveria obedecer cegamente às decisões políticas dos reis e rainhas governantes da época.
Mas foi duvidando, imaginando e questionando que tivemos as Grandes Navegações e avançamos como sociedade e como indivíduos para chegar à modernidade, com tantos benefícios e melhorias, ar condicionado, geladeira, trens, aviões, computadores, antibióticos, radiografias, etc.
Contudo, por mais que vejamos o mundo atual tão diferente do que existia no Século XVI e na obra de Lebvre, é evidente que ainda estamos com os nossos cérebros buscando o conforto de não ter que pensar e de nos sentir protegidos em meio a grupos sociais. Isso nos poupa e protege e nos deixa na zona de conforto de uma maioria barulhenta.
Tememos nos insurgir, questionar, refletir e impor nossas ponderações, por medo de críticas, de perseguições, de bullying e de fenômenos afins. A lâmpada elétrica de Thomas Edson foi ridicularizada no início. O iPhone e o Spotify sofreram resistência. Apesar disso, se consolidaram no mundo. Se os seus inventores temessem o novo, não os teríamos.
Ainda assim, há quem inveje os que ficaram ricos por suas invenções, lutas e empreendedorismo, pelos quais fizeram diferente de todos os demais. Ainda há os que questionam o “capitalismo” e as suas forças inovadoras e de melhoria coletiva. Tendem a ser os que não questionam, refletem e se aprofundam em estudar mecanismos hábeis à mudança e evolução social e industrial, preferindo mais ser críticos do que outros que fizeram. De fato, é muito mais fácil criticar do que criar.
Por outro lado, sofremos – e muito – pela nossa dificuldade em mudar de opinião. Em parte, isso acontece porque significaria reconhecer o erro anterior. E, convenhamos, ninguém gosta de dizer que errou. Se Sêneca dizia que “errar é humano”, São Bernardo avançou ao reconheceu que “permanecer no erro é diabólico” e isso deve ser importante considerar – apesar de passar despercebido por muitas pessoas – já que ninguém deve sofrer por mudar de opinião, pois significa dizer que, após melhor refletir e aprender, tornou-se mais bem informado e inteligente do que era antes.
Mas, antes de chegar a isso, não podemos desprezar a força simbólica dos Sete Pecados Capitais e como eles nos atrapalham a evolução social, sendo sentimentos absolutamente humanos e, no caso, notadamente, pelo que nos interessa à análise, a soberba (orgulho em excesso), a avareza (apego aos bens materiais e mesquinhez), a inveja (que gera rivalidade) e a ira (vingança). Essas características interferem negativamente em reconhecimento do erro, em mudança de opinião e de melhoria. De uma forma metafórica muito simples, é como se a pessoa continuasse a dirigir na contramão sem admitir que está errada e contra todas as evidências e provas em contrário!
Acredita-se numa verdade, num dogma, numa realidade paralela e não se abre mão dessa crença, nem para melhoria própria. Esses absurdos que vemos em uns e outros, ao longo da vida e da história, repetem-se sempre. Somos críticos demais em relação aos outros sem ser capazes de ver os próprios erros. Despejamos toda a ira em adversários políticos e em quem pensa diferente, enquanto exigimos o amor e a compreensão alheia. Houve os que defenderam anistia ampla e irrestrita há tempos e que agora são contra que se a conceda, aqui – enquanto Maduro suscita negociação de paz com os EUA envolvendo uma anistia para si e alguns dos seus apoiadores. Um jogo não pode ter uma regra para um momento e outra regra para outro tempo. As regras devem ser estáveis, no tabuleiro social e no tabuleiro político.
Por vezes, convenhamos, não é que as regras devam atender a um ou outro e por isso as leis devam ou não ser feitas. O que normalmente ocorre é que um fato é revelador de uma situação social e, por isso, motivador da criação ou alteração legislativa, como ocorreu, por exemplo, com o surgimento da Lei Maria da Penha, que veio em benefício de muitas pessoas. Toda lei é norma de conduta e norma de composição de conflitos e será aplicada a todas as pessoas que se colocarem naquela situação fático-jurídica, pela incidência do fato sobre a norma, o que nos leva a considerar que não são casuísticas, mas hábeis a atender a todos os que se enquadrarem no modelo fático que o legislador considerar. Falamos nisso por conta do debate atual no Congresso, sobre mudanças nas penas e na legislação que pode atingir o contexto do 08/01.
Por fim, talvez o que mais afete os conceitos e variações filosóficas sobre credulidade e incredulidade e mudança de opinião esteja no adágio popular de que a pimenta que atinge outras pessoas é apenas refresco. Somente se colocando no lugar do outro podemos considerar exatamente a ardência, a dor o sofrimento e a justiça ou injustiça. Para isso, precisamos ter compaixão, empatia e coração aberto. Só com amor construímos caminhos e a paz.

