Fracassamos como sociedade quando o vazio das autoridades permite o surgimento e a manutenção de um poder paralelo, com força suficiente para estar bem armado e, sem medo, ousar atirar e jogar bombas na polícia, causando essa verdadeira guerra ocorrida no Rio de Janeiro, que vitima toda a população civil, inocente, trabalhadora e pagadora de impostos.
Uma cidade como o Rio de Janeiro é paralisada e fica assustada. Aliás, há tempos tivemos ocorrências parecidas e ações do crime organizado levaram a vida do Tim Lopes, em 2002. Fatos assim, contudo, não são privilégio do Rio de Janeiro, pois também ocorreram noutras regiões.
O que aprendemos destes fatos? Temos que ser capazes de responder a esta pergunta – e logo.
Mais do que apontar culpados ou de indagar como a polícia deve reagir quando é recebida com bomba e armas pesadas, temos que admitir que o assunto envolve o crescente vácuo de autoridade dos governos, nos planos federal, estadual e municipal. Quando isso ocorre, o “vácuo” é logo preenchido por qualquer força típica ou atípica, legal ou não, constitucional ou não, formal ou não – e é isso o que tem ocorrido.
Se somos um país soberano, que não admite que outro dê ordens ou decida o que deve ser feito em nosso território, então temos de ser responsáveis pelos rumos da Nação e garantir a paz e a segurança ao povo, nas cidades – com a autoridade que os governos eleitos detêm e o pacto federativo estabelece. Não se pode admitir que os poderes constituídos do Estado não exerçam a sua parcela de autoridade e apliquem a legislação votada pelos representantes eleitos pelo povo ou tema cumprir mandados de prisão e combater o crime instalado.
Foi a hesitação e esse “vácuo” de poder e de autoridade do Estado que ensejaram o surgimento, a consolidação e a irradiação de forças à margem da lei e, portanto, marginais, antijurídicas e ilegais, com várias configurações e nuances. Tolerar que haja uma força paralela ao poder estatal, seja sob nuances de milícia, máfia ou narcotráfico, é admitir que há vazio de autoridade pública e o nosso fracasso como sociedade. Significa dizer que o Estado não está fazendo o seu papel, que as políticas nacionais de segurança estão fora da realidade e que o complexo conjunto de leis – autoridades – justiça – segurança pública não atendem ao conjunto da população.
A propósito, são os pagadores de impostos que sustentam o Estado, pois a máquina estatal vive do pagamento do Imposto de Renda, IPTU, ITBI, INSS, PIS, COFINS e ICMS. É o contribuinte quem paga e sustenta o Estado e os governos. E o Estado deve atender a estes e a todos, indistintamente. Ora, o contribuinte está cansado de tanto pagar e de pouco receber em troca, já que, além dos tributos – todos – tão pesados, ainda se vê mais onerado por ter que pagar particularmente para ter outros serviços que o país não lhe retribui, tendo que desembolsar valores para a escola e cursos particulares, segurança e planos de saúde. Deste modo, o contribuinte paga – e muito – além dos percentuais dos tributos em si.
Além das pessoas, há as empresas que também pagam impostos e que sofrem prejuízos quando o comércio é fechado ou tem que interromper as suas atividades porque o narcotráfico está enfrentando a polícia. A propósito, o turismo e todas as cadeias comerciais a ele relacionadas hão de sofrer os efeitos dessa violência causada pelo narcotráfico, pois muitos devem estar, mundo afora, repensando a vinda ao Brasil.
Então, como se admitir e tolerar que um “poder paralelo” ocupe o “vácuo” de poder e autoridade deixados pelo Estado em grandes áreas das cidades? Como se pensar em não poder o Estado enfrentar o crime? É mais fácil se questionar a violência pontual de ação policial do que, com flores e conversa, alguém conseguir que o crime organizado devolva as suas armas – proibidas pelo Estatuto do Desarmamento – ou que se entreguem os que tiverem mandado de prisão já expedidos pelo Poder Judiciário. Difícil é convencê-los a não fazer o tribunal do crime, como o que vitimou o Tim Lopes, a não fecharem ruas e becos e a não espalharem o medo nas pessoas.
Quando uma família circula de carro pela cidade, pode, a qualquer momento, passar por uma “blitz” policial ou da Lei Seca. É o Estado agindo, por meio dos seus agentes, concursados, nomeados e cuja conduta é regrada pelas leis de regência. Ocorre que, ultimamente, a mesma família pode, também, se deparar com uma “blitz” conduzida por bandidos, sem qualquer regra de conduta a lhes balizar a atuação. Ao admitir que isso não é fato extravagante, excepcional e raro, confessamos que há esse vazio de autoridade, que a criminalidade não teme a legislação ou a ação policial e que estamos reféns de uma situação já fora do controle. Isso não é opinião isolada ou malabarismo retórico. São os fatos e os sentimentos das pessoas… e palavras não mudam a realidade dos fatos, como explicava o filósofo e historiador alemão Oswald Spengler.
Repensar o Estado não significa refazer o pacto social e crucificar o lado da lei e da autoridade estatal, pois isto representaria que a sociedade perdeu para o crime organizado. O que precisamos é mais valorizar a autoridade estatal, aplaudir a lei e os valores soberanos que regem a Constituição Federal que, já no seu Preâmbulo, diz que se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a segurança, além de valorizar o fato de se declarar fundada na harmonia social.
É esta harmonia social acaba faltando, pelo vazio das autoridades. Esta harmonia social é o que falece, quando a cidade se vê refém do crime organizado. Esta harmonia social é que está ferida no dia a dia do vácuo do poder, exigindo que, periodicamente, as forças policiais e de segurança devam atuar mais ostensivamente – como vimos, de novo, no Rio de Janeiro. É como não tratar dos dentes e depois reclamar que a pequena cárie evoluiu para tratamento de canal ou extração dentária. É o que ocorre quando deixamos como está para ver como fica, até que um dia algo tem que ser feito.
Como sinal de que algo precisa mudar, após o evento no Rio de Janeiro, o Presidente Lula já sancionou lei, proposta por Moro, que endurece o combate ao crime organizado.
Além disso, o Governo Federal e o Governo do Estado do Rio de Janeiro acabam de anunciar a criação de um Escritório Emergencial de Enfrentamento ao Crime Organizado. Algo assim já deveria existir, faz tempo. De toda sorte, é bem-vindo e sinal de que esta ação policial, no Rio de Janeiro, foi necessária como reação estatal. O Escritório Emergencial de Enfrentamento ao Crime Organizado revela que o narcotráfico e os seus braços no Rio de Janeiro são um problema nacional, já que as drogas e as armas não são cariocas. Vêm de fora e entram por fronteiras, ingressando no país por terra, água e ar. Vêm de barco, caminhões, mulas. Para se reprimir o ingresso de armas e drogas, precisaríamos de mais agentes, mais servidores públicos, mais estruturas de fiscalização e inteligência, mais e melhores equipamentos e mais forças de contenção. Precisamos estar à frente das forças marginais, que inventam métodos, rotas, caminhos, estratégias e a polícia que investigue, persiga e “corra atrás”. Precisamos prestigiar e investir nos agentes públicos, que enfrentam esta situação para que nós fiquemos no conforto das nossas casas. Precisamos investir nos servidores públicos e nos agentes de segurança e em todos os setores de contenção. Somente fortalecendo e investindo nas carreiras de estado e enaltecendo-se os mecanismos de fiscalização e de repressão teremos a garantia de um Estado forte e com menos vácuos de autoridade. Isso envolve cuidar e investir nos policiais e agentes penitenciários, fiscais, Defensores Públicos e sistema de Justiça, também cuidando das variantes dos sistemas de segurança nas estruturas dos aeroportos, portos, ferrovias, rodoviárias e estradas.
Aliás, é um axioma que estejamos falando nisso em meio ao plano de realização de nova Reforma Administrativa no país, pela qual se pretende enfraquecer as estruturas das carreiras públicas existentes, quando, como vemos, precisam é ser fortalecidas.
Precisamos, também, de mais câmeras nas ruas, de mais tecnologia e, na sociedade em geral, de mais postura e compostura, de mais ética e bons valores e de disciplina e seriedade. Fazer de conta que está tudo bem não significa que esteja. Se o que estamos fazendo nos últimos anos não está dando certo, precisamos fazer diferente, fortalecer o Estado e suprir o vazio por mais autoridade, antes que seja tarde. Que a nova lei e o anunciado novo Escritório Emergencial de Enfrentamento ao Crime Organizado sejam prenúncio de futuro melhor. Merecemos.

