Na última semana, me deparei com uma publicação de fotos, feita por uma colega no Instagram. Era um jardim na Itália e, vendo as imagens, lembrei imediatamente de um dos jardins mais lindos e surpreendentes que visitei na vida, até aqui.
Exuberante e simples na mesma medida, o Jardim Giusti fica em Verona e é o exemplo perfeito de jardim renascentista, aquele tipicamente italiano. Esses jardins surgiram em meados do século XV, inspirados nos ideais clássicos e, portanto, propondo refletir ordem, simetria e harmonia, assim como equilíbrio com a natureza.
Visitar esse jardim foi uma surpresa para mim! Me lembro de estar andando despretensiosamente pela cidade, junto com outra turista, que conheci no hostel em que estava hospedada. De repente, passamos em frente ao jardim, até então desconhecido por nós duas e, por curiosidade, decidimos entrar. Na época, 2019, eu ainda era estudante de história da arte e me lembro de ficar muito feliz por ter encontrado esse pequeno paraíso renascentista.
Planejado como um jardim anexo ao palácio dos Giusti, uma importante família aristocrata da época, ele é dividido em duas partes. A primeira, inferior, com caminhos geometrizados e grandes e robustos arbustos. A segunda, superior, com vista da cidade. Como o estilo promete, o jardim é lotado de esculturas, fontes, escadas e sebes, que formam um labirinto vivo e verde. Os caminhos longos, com árvores e arbustos alinhados, eram organizados com o objetivo de criar um efeito de perspectiva.
O Jardim Giusti é um exemplo de como a arte paisagística renascentista conseguiu criar espaços que combinam beleza natural e arquitetura, oferecendo uma experiência única aos visitantes e, sem dúvidas, cumprindo seu papel na renascença… Os jardins da época eram mais do que espaços decorativos ou de socialização, o que explica tanta exuberância: eles mostravam o poder dos proprietários, tendo um papel importante no contexto social e econômico.
Os jardins renascentistas influenciaram os jardins franceses, que se estabeleceram enquanto estilo próprio no século XVII. O principal deles é o jardim de Versailles, que seguia o curso do sol e tinha estátuas, fontes e até mesmo jardins menores em seus percursos, o que proporciona uma escala mais humana e real ao grande jardim.
Esdras Arraes, em seu texto ‘Jardim e paisagem entre a literatura e a filosofia’, explora o conceito de jardim-paisagem e diz que, a partir disso, “a visão perde sua posição de sentido supremo, dando lugar a experiências sensoriais múltiplas derivadas do caminhar”, contrapondo os jardins franceses e italianos. Essas experiências são enriquecidas com o contato com a natureza, especialmente quando o próprio jardim é a paisagem.
Pensei sobre isso e sobre a minha surpresa ao me deparar com o jardim sobre o qual comentei, na Itália. Pensei muito em como viajar expande a nossa existência, nossos sentidos e nos estimula a pesquisar mais, se educar sobre diversos assuntos e procurar informação sobre coisas que a gente nem conhecia até ali.
Agora, pensando sobre tudo isso, concluo que estar num jardim assim ativa não só os sentidos, mas também uma memória emocional ou intelectual. A gente cria uma relação entre o espaço e o que sentimos, muitas vezes de maneira inesperada, tornando-se um marco na nossa memória, como foi o Jardim Giusti comigo, nessa viagem que durou tanto tempo e da qual eu lembro com tanta frequência.
Foram quase três meses viajando sozinha, conhecendo pessoas pelos lugares onde me hospedava e me conectando com as inúmeras cidades pelas quais passei nesse tempo. Em todas elas, me permitia viver no tempo presente, por isso me lembro de tantas coisas.
Para mim, encontrar esse jardim em Verona foi o equivalente a Mary Lennox descobrindo o Jardim Secreto. As viagens (ou mudanças, no caso da Mary) nos proporcionam isso: curiosidade e olhar atento e isso mostra como momentos simples, como uma caminhada despretensiosa, podem levar a descobertas inesquecíveis.
O mesmo aconteceu comigo em outros lugares. No meu diário de viagem à Paris, conto que saí andando do Pantheon, segui até o final da rua principal e dei de cara com o Jardim de Luxemburgo. No diário, digo que “me senti acolhida no meio de tanta gente feliz por estar ali” e que “o mais interessante do Jardim é que ele reúne estátuas de vinte mulheres que foram importantes para a história”.
Poucas coisas são tão deliciosas quanto o prazer de se deixar levar pelo ritmo de uma cidade desconhecida, pelos improvisos que precisam acontecer e que sempre dão certo no final – mesmo quando aparentam que dariam errado – ou pelo privilégio de se perder e se achar em outro lugar, mesmo seguindo o mapa.
Pouco tempo antes dessa viagem, em Abril de 2019, depois de tantas viagens à Bahia e outros lugares dentro e fora do Brasil, escrevi que “Qualquer viagem leva a gente pra longe do mundo e pra perto de nós mesmos. Não importa os compromissos, as obrigações, viajar é avançar, é ir adiante, é a possibilidade de mudança. Viajar é não criar raízes. Nós somos seres infinitos e viajar é a ausência de ter um fim”.
Entre caminhos conhecidos e desconhecidos, sempre novas descobertas. Entre silêncios e sonoridades únicas de cada cidade, novas lembranças. Entre fotografias, museus, músicas, restaurantes e costumes locais, gostos diferentes da cultura. Entre conversas com familiares e com desconhecidos, percebi que viajar é também cultivar jardins dentro da gente.
Viajar, independentemente do destino, é criar memórias que florescem naturalmente e ficam para sempre dentro de nós e, também, é se deixar ser pequeno diante da imensidão do mundo.
Os jardins que florescem em nós
