Ser pai não é um estado civil.
É uma condição da alma.
Eu venho antes, é verdade,
mas eles caminham mais longe.
E aceitar isso — como quem aceita o vento ou a morte —
é o primeiro ato de amor.
Eduardo, meu Edu,
um só nome dito de duas maneiras,
como se o afeto precisasse ora de solenidade,
ora de colo.
Juan,
filho do tempo presente,
da geração Z que já nasce sabendo
que o mundo é frágil,
mas insiste em reinventá-lo
com a coragem inquieta dos que não pedem licença ao passado.
São meus filhos.
E nessa afirmação cabe tudo:
o orgulho silencioso,
o medo noturno,
a vigília das madrugadas,
o desejo impossível de protegê-los
sem aprisioná-los.
Amar, já nos advertiu Djavan,
“é um deserto e seus temores”.
E quem é pai atravessa esse deserto
sem mapas,
carregando água
para quem ainda não sabe
que terá sede.
Há filhos que não são meus,
mas que são nossos.
João, Maria —
nomes fundadores como pão e água.
Bebel,
a infância que resiste apesar do mundo.
Anastácia,
corpo e memória marcados pela violência da história.
Jesus,
não o ícone dourado das catedrais,
mas o menino pobre,
filho do risco, do exílio,
da coragem de quem cria
sem garantias.
Não os chamo de meus filhos,
mas os reconheço como filhos da humanidade.
E isso também é paternidade.
Charles Dickens nos ensinou
que uma criança abandonada
é a acusação mais dura
que uma sociedade pode fazer contra si mesma.
Por isso, falar de pais e filhos
é falar de responsabilidade coletiva,
de lares que falham,
de afetos que salvam,
de adultos que esquecem
que já foram pequenos.
Neruda sopra mais fundo
quando compreendo que amar um filho
é amar sem método,
sem garantias,
“sem saber como, nem quando, nem de onde”,
mas sabendo que esse amor
nos desarma,
nos envelhece
e nos renova ao mesmo tempo.
Educar não é moldar.
É libertar.
Rousseau já advertia
que o verdadeiro cuidado
não prepara para a obediência,
mas para a dignidade.
E Máximo Gorki, com sua lucidez áspera,
lembra que o ser humano
se constrói entre a luta e o afeto —
e que não há gesto mais revolucionário
do que ensinar um filho
a não odiar.
No Pequeno Príncipe
há uma verdade simples demais para os adultos:
“o essencial é invisível aos olhos”.
Talvez por isso,
quando olho meus filhos,
não veja apenas o que são,
mas o que podem ser —
e o que o mundo ainda pode aprender com eles.
Entre pais e filhos
não existe posse.
Existe travessia.
Existe despedida.
Existe retorno.
E se me perguntarem, ao fim,
o que um pai deixa ao mundo,
não direi conquistas,
nem heranças,
nem certezas.
Direi: deixa filhos capazes de sentir.
Porque, como ensinou Gorki,
o ser humano só se completa
quando a dureza da vida
não consegue esmagar
a ternura que ele escolheu preservar.
Ser pai é assumir a fadiga histórica do amor.
É lutar, todos os dias,
contra a brutalidade que se naturaliza
e a indiferença que se disfarça de normalidade.
É resistir com gestos simples —
o cuidado, a palavra, a presença —
sabendo que toda forma de afeto
é um ato silencioso de rebelião.
Neruda talvez dissesse
que amei como quem escreve com o próprio corpo:
com erros, excessos, vertigem e verdade.
Amei sem garantias,
mas com a convicção ardente
de que um filho amado
é uma resposta possível
à injustiça do mundo.
E se o futuro lhes for áspero,
que avancem mesmo assim.
Que não levem consigo o peso do meu nome,
mas a chama do afeto
que os ensinou
a não odiar.
Porque amar filhos
não nos torna imortais.
Mas nos torna necessários.
E, diante de um mundo que insiste em endurecer,
isso —
isso basta.

