A nossa relação com o tempo se transforma a cada dia. Tenho falado muito disso aqui: o ritmo das nossas vidas está cada vez mais acelerado, fortemente influenciado pelas redes sociais e pelas tendências que surgem nelas.
Pensando nisso, podemos afirmar que o tempo dos ciclos da moda também mudou. Antes, tínhamos o bubble up, o trickle down e as tendências não eram tão rápidas como atualmente. Eram cíclicas como hoje, mas com ciclos muito mais longos, porque hoje temos comportamentos virais e formas de vestir que se alastram rapidamente por toda a internet, dominando diversos países e mudando a cada pouquíssimo tempo, sendo logo substituídas por outras, fazendo o tempo de vida delas ser extremamente curto.
Esse fenômeno da ‘viralização’ não é só sobre consumo de moda, mas sobre consumo em geral. Recentemente, vimos a performance virar conteúdo e viralizar, assim como os livros de colorir, o morango do amor e tantas outras coisas que chegam e, quase sempre, são esquecidas rapidamente.
Decidi trazer um estudo do Hans Eijkelboom, holandês, que durante 20 anos fotografou pessoas em cidades diferentes, vestindo as mesmas roupas quase sempre do mesmo jeito, em trabalho que não é apenas sobre moda, mas principalmente sobre comportamento e consumo.
André D´Amato fez um vídeo sobre esse trabalho, que mostra como a busca por pertencimento e o medo de parecer diferente acabam moldando as nossas vidas e nosso modo de consumir, nos fazendo perder espaço para a criatividade e nos tornando clones de nós mesmos.
Acredito que hoje, com esses conteúdos virais e a forma que eles influenciam nossas vidas diariamente, a situação seja diferente e, evidentemente, pior. Estamos falando de uma certa morte da subjetividade. Não temos mais tempo para refletir sobre o que chega até nós, sobre o que fica com a gente, sobre o que faz sentido consumir. Quando nos damos conta, todos vestem as mesmas roupas, do mesmo jeito. Quando percebemos, todos usam os mesmos bichinhos pendurados em suas bolsas, pintam os mesmos livrinhos, dançam as mesmas dancinhas, comem a mesma fruta com calda de caramelo.
Sobre o morango do amor, por exemplo, o que viralizou em si não foi o produto, mas, sim, a forma de consumir. Quase todo o meu instagram não só comprou o doce, como postou vídeos do momento em que o provavam, mostrando bem o segundo em que quebravam o caramelo com os dentes.
É tão automático que a gente nem percebe por qual motivo está fazendo tais coisas, reproduzindo comportamentos que, se não tivéssemos visto tanta gente fazer, talvez nunca faríamos. No fim, quem ousa não fazer igual, se sente alienígena, perde o assunto, não participa da rodinha de conversa porque não sabe o sabor que tem nenhuma das “delícias” que viralizaram nos últimos meses.
Sobre moda, Svendsen questiona o fato de que, nas interpretações do consumo como conformismo, ficamos muitas vezes com a impressão de que há pessoas poderosas instaladas na indústria da moda que decidem, de maneira ditatorial, que aparência devemos ter na próxima estação.
Se é realmente verdade, não posso afirmar, mas acredito que sim! Há, inclusive, uma cena icônica no filme O Diabo Veste Prada (2006) que ilustra perfeitamente essa ideia. Nela, a Miranda, interpretada por Meryl Streep, explica para a personagem de Anne Hathaway, Andrea, o motivo pelo qual ela está usando um suéter azul cerúleo. Durante a explicação, Miranda fala da importância das figuras influentes da indústria nas decisões que moldaram escolhas de consumo, da adoção da cor pelas grandes marcas e sua popularização, evidenciando de forma muito fácil a sistematização das tendências, o movimento trickle down (de cima para baixo, das marcas de luxo para o varejo) e como essas decisões impactam diretamente o cotidiano das pessoas, quase sempre sem que elas percebam.
O sistema da moda já não funciona tanto assim, apesar de ainda existir as instituições que ordenam o caos, gerenciam e direcionam o consumo. Isso acontece porque as redes sociais têm “lançado tendências” de maneira muito prática e rápida, dando outras proporções ao processo e o transformando em algo mais invasivo. Claro que isso não se aplica só a maneira que consumimos moda!
Recebemos as informações, os produtos, as ideias e aceitamos, simplesmente. A gente não questiona, não pergunta, não se indaga sobre. A verdade é que não queremos perder tempo elaborando sobre mais nada e uma prova disso é o crescimento de inteligências artificiais como o chat gpt e outras, que estão sendo usadas livremente na escrita de trabalhos, livros, roteiros e etc.
Vi recentemente a história de uma menina que teve o TCC reprovado na faculdade por causa do uso de IA na escrita do trabalho. A banca afirmou que não poderia aceitar e a menina rebateu, dizendo que ela escreveu algumas coisas e que, por ter dado o comando para a IA, as ideias eram dela!
Semana passada falei sobre o que consumimos como notícia, como damos importância para coisas e pessoas que não tem nenhuma relevância. O que estou falando hoje tem muito disso também. Precisamos questionar o que chega até nós e ter a opção de ir contra o fluxo, se for desejado, ou ir a favor da manada.
Precisamos ser menos esponja e mais peneira, selecionando realmente o que nos cabe e importa para cada um, enquanto indívio, sobre vestir, comprar, fazer, agir, reproduzir, exibir e propagar.
Precisamos ser menos esponja e mais peneira
