Viver sob o sol do Amapá é um privilégio — mas também um desafio à saúde da pele. Nosso Estado está exatamente sobre a linha do Equador, região onde a radiação ultravioleta (UV) incide com maior intensidade durante todo o ano. Essa exposição solar constante, especialmente nos meses da estiagem (de agosto a novembro), quando o céu fica limpo e o calor se intensifica, pode causar lesões cutâneas e servir como gatilho para doenças autoimunes, como o lúpus.
Nos consultórios e hospitais do Amapá, é justamente nesse período de sol forte que cresce o número de pacientes com doença ativa. Vemos um aumento de internações por descompensação sistêmica, sobretudo por nefrite lúpica — inflamação nos rins provocada pelo lúpus —, e alguns casos chegam a exigir hemodiálise. O mesmo sol que alegra o dia pode, para quem tem lúpus, ser o inimigo invisível que reacende a inflamação do corpo.
A pele como espelho da doença
O lúpus é uma doença autoimune que pode se manifestar de várias formas — e, em muitos casos, é a pele quem dá o primeiro alerta. Manchas avermelhadas, sensibilidade exagerada ao sol e feridas no couro cabeludo ou no rosto são sinais de um desequilíbrio do sistema imunológico, que passa a atacar o próprio organismo.
Segundo estudo publicado nos Anais Brasileiros de Dermatologia (2023), cerca de 8 em cada 10 pessoas com lúpus sistêmico apresentam algum tipo de lesão cutânea durante a vida. Em até um quarto dos casos, essas alterações na pele são a primeira manifestação da doença, reforçando a importância do diagnóstico precoce.
Manchas que falam
As formas de lúpus que afetam a pele são diversas. A mais conhecida é a mancha avermelhada em forma de “borboleta”, que aparece sobre o nariz e as bochechas — o lúpus cutâneo agudo, geralmente ligado à fase mais ativa da doença sistêmica.
Há também o lúpus cutâneo subagudo, que provoca placas avermelhadas ou descamativas nas áreas expostas ao sol — pescoço, ombros e braços. Muitas vezes se confunde com alergias ou psoríase e pode ser desencadeado por medicamentos comuns, como alguns anti-hipertensivos e antifúngicos.
Já o lúpus cutâneo crônico, mais duradouro, costuma deixar cicatrizes e áreas sem cabelo. As feridas espessas e dolorosas no rosto, couro cabeludo e orelhas não são apenas marcas físicas — trazem impacto emocional e social profundo, especialmente em pacientes jovens.
Causas e gatilhos
O lúpus não é contagioso nem tem uma única causa. Ele resulta de uma combinação de fatores genéticos, hormonais e ambientais. No Amapá, o sol intenso e a radiação UV estão entre os principais desencadeadores das crises. Esses raios estimulam a liberação de substâncias inflamatórias na pele que podem ativar o sistema imunológico e causar tanto as lesões cutâneas quanto reações internas, atingindo órgãos como rins, pulmões e coração.
Outros fatores — como infecções, uso de certos medicamentos e o tabagismo — também podem agravar a doença. Mulheres jovens e de meia-idade continuam sendo as mais afetadas, mas o lúpus pode aparecer em qualquer faixa etária.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico é feito por meio de avaliação clínica detalhada, exames laboratoriais e, muitas vezes, biópsia da pele. Identificar o tipo de lesão é essencial, já que cada forma de lúpus cutâneo tem comportamento e tratamento diferentes.
O manejo envolve fotoproteção rigorosa, medicações específicas (como antimaláricos e imunomoduladores) e, em casos mais graves, tratamentos imunossupressores. O acompanhamento conjunto entre dermatologista e reumatologista é o caminho mais seguro para evitar complicações e preservar a qualidade de vida.
Cuidar da pele é cuidar do corpo todo
Mais do que um problema estético, as lesões do lúpus são mensagens biológicas de que algo no sistema imunológico está em alerta. Identificar essas mudanças e procurar atendimento médico logo no início pode evitar danos permanentes.
No nosso clima equatorial, a prevenção começa com atitudes simples: uso diário de protetor solar, chapéu, óculos escuros e roupas leves de manga longa — medidas que protegem não apenas a pele, mas também o organismo inteiro.
O sol do Amapá é belo, mas exige respeito. Quando a pele fala, o corpo pede atenção — e ouvir esses sinais é um gesto de cuidado e amor à própria vida.

