A operação da Polícia Federal que encontrou cerca de R$ 400 mil em dinheiro vivo em um flat utilizado pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante — líder do PL na Câmara — expôs mais um capítulo da liturgia moralista que se tornou método político no Brasil contemporâneo. Diante da apreensão, o roteiro foi rigorosamente o mesmo que já se tornou padrão no bolsonarismo: denúncia convertida em “perseguição”, investigação tratada como complô e a explicação — suposta venda de imóvel — apresentada com a solenidade de um sermão, mas com a verossimilhança de um panfleto pornográfico. O problema não é apenas a vultosa quantia em espécie, prática que a racionalidade republicana repele; o problema é o teatro. Como advertia Max Weber, quando a ética da convicção se dissocia da ética da responsabilidade, o poder passa a falar em línguas — e nenhuma delas diz a verdade inteira.
A invocação obsessiva de “Deus, Pátria e Família” funciona como um salvo-conduto simbólico, uma espécie de indulgência moderna. O PT converte-se no “Satanás” conveniente, onisciente e onipresente, enquanto a política se transforma em culto permanente, no qual a acusação substitui o argumento e a fé vira escudo retórico. O apóstolo Paulo foi taxativo: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1Tm 6:10). O Evangelho, por sua vez, não admite subterfúgios: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6:21). Aqui, o tesouro surge embalado em notas, escondido do sol e do escrutínio público, enquanto o coração se exibe em discursos inflamados sobre moralidade. Hannah Arendt já alertava que a banalização do mal começa quando a contradição vira paisagem e a hipocrisia se naturaliza como prática política.
Há, contudo, algo ainda mais grave: a captura do sagrado pela estratégia de poder. O templo converte-se em comitê político, o púlpito em palanque e a Bíblia em cartilha eleitoral. A injúria, a difamação e a calúnia — vícios frontalmente condenados nas Escrituras (“Não levantarás falso testemunho”, Ex 20:16) — passam a ser métodos cotidianos contra adversários, jornalistas e instituições. Arnaldo Jabor provavelmente diria que se trata de um moralismo de fachada, um puritanismo de ocasião que usa Deus como biombo e a fé como biomassa eleitoral. Quando instrumentalizada, a religião deixa de iluminar consciências e passa a obscurecer responsabilidades. Como ensinou Norberto Bobbio, o Estado laico não é inimigo da religião; é inimigo do monopólio do sagrado.
Não se trata de criminalizar a fé — isso seria injusto e intelectualmente desonesto —, mas de exigir coerência mínima entre discurso e prática. “Pelos frutos os conhecereis” (Mt 7:16). A República não exige santos; exige agentes públicos submetidos à lei, transparentes e responsáveis. Quando políticos evangélicos, repetidas vezes, aparecem associados a escândalos, não é a fé que está sob ataque, mas sua degradação deliberada. A Bíblia, nesses casos, aparece rasgada entre o púlpito e o cofre, enquanto o eleitor é tratado como fiel cativo, convidado a engolir narrativas que não convencem nem uma criança. A democracia não pode ajoelhar diante do cinismo. Se a política insiste em vestir terno e gravata com a Bíblia debaixo do braço para malandramente esconder o dinheiro, cabe à sociedade fazer o que sempre fez diante da hipocrisia erigida em método: acender a luz. e a Bíblia rasgada
A operação da Polícia Federal que encontrou cerca de R$ 400 mil em dinheiro vivo em um flat utilizado pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante — líder do PL na Câmara — expôs mais um capítulo da liturgia moralista que se tornou método político no Brasil contemporâneo. Diante da apreensão, o roteiro foi rigorosamente o mesmo que já se tornou padrão no bolsonarismo: denúncia convertida em “perseguição”, investigação tratada como complô e a explicação — suposta venda de imóvel — apresentada com a solenidade de um sermão, mas com a verossimilhança de um panfleto pornográfico. O problema não é apenas a vultosa quantia em espécie, prática que a racionalidade republicana repele; o problema é o teatro. Como advertia Max Weber, quando a ética da convicção se dissocia da ética da responsabilidade, o poder passa a falar em línguas — e nenhuma delas diz a verdade inteira.
A invocação obsessiva de “Deus, Pátria e Família” funciona como um salvo-conduto simbólico, uma espécie de indulgência moderna. O PT converte-se no “Satanás” conveniente, onisciente e onipresente, enquanto a política se transforma em culto permanente, no qual a acusação substitui o argumento e a fé vira escudo retórico. O apóstolo Paulo foi taxativo: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1Tm 6:10). O Evangelho, por sua vez, não admite subterfúgios: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6:21). Aqui, o tesouro surge embalado em notas, escondido do sol e do escrutínio público, enquanto o coração se exibe em discursos inflamados sobre moralidade. Hannah Arendt já alertava que a banalização do mal começa quando a contradição vira paisagem e a hipocrisia se naturaliza como prática política.
Há, contudo, algo ainda mais grave: a captura do sagrado pela estratégia de poder. O templo converte-se em comitê político, o púlpito em palanque e a Bíblia em cartilha eleitoral. A injúria, a difamação e a calúnia — vícios frontalmente condenados nas Escrituras (“Não levantarás falso testemunho”, Ex 20:16) — passam a ser métodos cotidianos contra adversários, jornalistas e instituições. Arnaldo Jabor provavelmente diria que se trata de um moralismo de fachada, um puritanismo de ocasião que usa Deus como biombo e a fé como biomassa eleitoral. Quando instrumentalizada, a religião deixa de iluminar consciências e passa a obscurecer responsabilidades. Como ensinou Norberto Bobbio, o Estado laico não é inimigo da religião; é inimigo do monopólio do sagrado.
Não se trata de criminalizar a fé — isso seria injusto e intelectualmente desonesto —, mas de exigir coerência mínima entre discurso e prática. “Pelos frutos os conhecereis” (Mt 7:16). A República não exige santos; exige agentes públicos submetidos à lei, transparentes e responsáveis. Quando políticos evangélicos, repetidas vezes, aparecem associados a escândalos, não é a fé que está sob ataque, mas sua degradação deliberada. A Bíblia, nesses casos, aparece rasgada entre o púlpito e o cofre, enquanto o eleitor é tratado como fiel cativo, convidado a engolir narrativas que não convencem nem uma criança. A democracia não pode ajoelhar diante do cinismo. Se a política insiste em vestir terno e gravata com a Bíblia debaixo do braço para malandramente esconder o dinheiro, cabe à sociedade fazer o que sempre fez diante da hipocrisia erigida em método: acender a luz.

