(DE VOLTA À CONCENTRAÇÃO DOS PODERES, COM DESEQUILÍBRIO
NO SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS?)
A tripartição de poderes é uma grande conquista, popularizada após o advento da Revolução Francesa e derrubada do Antigo Regime absolutista, com a implantação da Constituição francesa de 1.791 que consagra a independência dos três poderes, difundida por Montesquieu e antevista por Locke e Rousseau.
Antes de avançar, é importante considerar que a separação de poderes é resultado de longo processo de contenção social do concentrado poder da realeza. Contudo, como ensina Jouvenel, “cada pedaço da serpente tende a regenerar a serpente inteira” e essa máxima, penso, devemos levar conosco para as análises envolvendo o poder, a sua concentração num só ou o regime da separação do exercício das potestades suas.
Tendemos a ver aparente preponderância do Poder Executivo ante o Poder Legislativo e o Poder Judiciário até que o Século XX nos trouxesse nova postura e doutrina, inaugurada no sistema jurídico dos EUA, sob o nome de ativismo judicial, referindo-se ao maior apego do Judiciário às questões sociais e político-sociais na interpretação das normas, indo, portanto, um pouco além do papel típico de se julgar as pretensões deduzidas em juízo com base no Direito Positivo.
É bom se fixar a ideia de que o sistema jurídico dos EUA e o seu presidencialismo são, em origem e essência, diversos do modelo nacional. Sem poder muito avançar no tema, diante do despretensioso propósito de um artigo e do seu natural limitado espaço, é crível que o sistema presidencialista tem nos apresentado modalidades e variações, sob o nome depresidencialismo, semipresidencialismo e presidencialismo de coalizão. O primeiro, na sua forma clássica, revela presidente que é eleito para formar, com liberdade, o seu governo. O segundo revelando-se como combinação do presidencialismo com o parlamentarismo, no qual o presidente é eleito, atua como chefe de estado e nomeia o primeiro-ministro para chefiar o governo. O terceiro, presidencialismo de coalização, revela presidência menos autônoma e sem condições de governar por si, carecendo do parlamento e da estruturação de coalizão com outros partidos, assim dividindo a gestão e precisando de negociações constantes para a tomada de decisões.
Todavia, a par disso tudo e na defesa da harmonia entre os poderes da República (CF, art. 3º), hoje inauguramos novo tempo para a sistemática da tripartição de poderes, a partir do momento em que o Poder Judiciário alvitra realizar incomum audiência de conciliação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo.Acredito que será deveras interessante a audiência, pois como se portarão o Legislativo e o Executivo, na sala de audiências da Suprema Corte e no contexto de uma audiência conciliatória?
A decisão teve repercussão no Senado Federal, com elogios à postura conciliatória rivalizando com críticas à convocação de dois poderes da República para conciliação, inclusive se dizendo que a decisão desmoralizou ”o Congresso Nacional e o presidente da República” e com indagação sobre a necessidade do “presidente da República” e dos “senadores e deputados”
Antes de qualquer crítica, é importante se conhecer a fundo a decisão`, proferida hoje, 04 de julho de 2025, pelo Ministro Alexandre de Moraes, da Suprema Corte, na ambiência da Medida Cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade 96 – Distrito Federal – Decisão Conjunta ADI 7827, 7839 e ADC 96, que muito mais tem de relevante e juridicidade, ao cuidar da (1) possível inconstitucionalidade do ato do governo federal`, acerca do IOF, que teria desvio de finalidade, fugindo da natureza regulatória para o propósito de aumento da arrecadação, (2) a reserva quanto ao enfrentamento do problema pelo Congresso Nacional, (3) o afastamento dos pressupostos constitucionais pelos decretos presidenciais e (4) a exigência constitucional da harmonia entre os poderes.
É relevante se considerar, ainda, que, ontem, o Ministro Flavio Dino, do Supremo Tribunal Federal, considerou que a Corte assumiu papel de presidencialismo de coalizão.
Acreditamos que a percepção está correta, apontando no sentido de uma coalização mais ampla do que a que tradicionalmente se revela no chamado presidencialismo de coalizão, entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, porquanto, neste caso brasileiro, seria coalizão entre os três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Ocorre que a tônica da tripartição de poderes envolve o sistema de freios e contrapesos. Assim, coalizão envolvendo os três poderes parece atingir o sistema de controle e equilíbrio entre essas três potências.
No mesmo rumo (atenção!) se tem que na Revolução Francesa o poder não foi desmembrado, o que é curioso, já que foi movimento contrário à concentração de poder pelo rei.
Falamos nisso porque toda mexida no sistema de forças e de poder interfere não apenas no seu equilíbrio e harmonia, mas na própria fundação do edifício político, nesta hidra de três cabeças que é o Poder único e apenas fracionado em três potestades, com funções típicas e atípicas e controle entre si, pelo mecanismo de freios e contrapesos, já que, neste “ ´supremopresidencialismo´de coalizão” (assim mesmo, com o neologismo a revelar a categorizar a nova modalidade) os três atores aparentemente se fundirão num só.
Seria verdadeira revolução no sistema pátrio… inaugurando novo tempo, com novo emprego para as antigas roupas democráticas e republicanas.
Portanto, se inauguramos nova era em que há ou haverá uma coalizão entre os três poderes, pela governabilidade, dirigida pela Suprema Corte, não só teríamos aparente hegemonia do Judiciário sobre os outros poderes republicanos como umesvaziamento da autonomia e independência de cada um dos três e o enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos.
Afetaríamos aquilo que pretendemos defender…
Esse novel processo de exercício veríamos o “´supremopresidencialismo´ de coalizão” como novaconfiguração no sistema presidencialista, ao lado do modelo clássico, do modelo de coalizão comum e do semipresidencialismo.
Curiosamente, dependendo do ponto de vista, teríamos uma concentração inefável de poder nessa coalizão, quiçá próxima daquela que Absolutismo revelava, exemplificado no dizer de Luís XIV, que concentrava todas as forças e poderes conhecidos: “L’État, c’est moi” (o Estado sou eu). Algo a se refletir amiúde e com profundidade.