O mundo mudou, mas nem mudou tanto.
O subtítulo deste artigo deve causar certa perplexidade aos leitores, todavia vamos encara-lo como uma espécie de charada, também são conhecidas como adivinhas ou adivinhações e fazem parte do folclore brasileiro, que somente será revelada pelos que lerem o presente texto até o final.
Afinal qual o desafio existencial da UE? O site CHINA & US Focus responde na matéria publicada, em 08/10/2024, “A UE pode recuperar a competitividade?” Assinada por Dong Yifan, pesquisador Assistente do Instituto de Relações Internacionais Contemporâneas da China, que transcrevo trechos.
“Confrontada com a atual turbulência geopolítica e com a aceleração da transformação da indústria, a União Europeia considera que o reforço da competitividade económica é fundamental para os seus esforços para manter e desenvolver as suas capacidades globais, prosseguir a autonomia estratégica e manter uma posição estratégica em pé de igualdade com a China e os Estados Unidos. Neste contexto, a competitividade emergiu como uma questão central na agenda das instituições da UE.
Recentemente, Mario Draghi, antigo Primeiro-Ministro italiano e antigo Presidente do Banco Central Europeu, apresentou o seu relatório sobre a competitividade da UE. O imenso relatório, encomendado pela Comissão Europeia, é considerado um roteiro para o reforço da competitividade económica da UE. Sublinha a ânsia da Europa em inverter o declínio do seu poder em relação à China e aos Estados Unidos e de retomar a iniciativa em questões geopolíticas, expandindo a sua força económica e tecnológica durante um período de mudanças turbulentas.
Do tamanho econômico à produtividade do trabalho, das indústrias digitais às verdes e até mesmo à integração de tecnologias emergentes em indústrias tradicionais, a UE está, sem dúvida, em uma posição fraca em comparação com a China e os Estados Unidos. Desde 2000, a taxa de crescimento do rendimento disponível real nos EUA foi o dobro da UE.
No início do século 21, o PIB da UE era maior do que o dos Estados Unidos, mas em 2023 sua participação no PIB global (17%) foi superada pela China e ficou muito atrás dos Estados Unidos (26%). Entre as 50 maiores empresas de tecnologia, apenas quatro estão na Europa.
Ao mesmo tempo, a ansiedade da Europa se estende além do crescimento econômico anêmico para preocupações sobre sua influência em declínio no cenário mundial e até mesmo a sobrevivência de sua civilização. O relatório sobre a competitividade diz que, se a Europa não agir, enfrentará inevitavelmente sacrifícios em matéria de bem-estar social, normas ambientais e liberdade. Portanto, melhorar a competitividade é um “desafio existencial”.
A nível interno, de acordo com o relatório, a UE deve dinamizar as indústrias emergentes através da simplificação da regulamentação, da flexibilização das restrições às fusões e aquisições de empresas, da criação de um mercado pan-europeu unificado para a energia, das telecomunicações e de outros sectores, da formulação de políticas industriais específicas, do aumento do apoio à investigação científica e à inovação e do reforço do investimento público e privado. A nível externo, a UE deve dar resposta às preocupações em muitas frentes, incluindo os desafios tradicionais em matéria de segurança e as questões de segurança relacionadas com a dependência excessiva da energia importada, das matérias-primas essenciais e dos produtos tecnológicos.
Além disso, a UE precisa pagar um certo custo pela diversificação do fornecimento e formular políticas destinadas a fortalecer sua indústria de defesa. Vale a pena notar que as medidas da UE para reforçar a segurança económica externa são seletivas. O relatório disse que a UE deve manter um “alto grau de abertura comercial em relação a países que fornecem tecnologias-chave nas quais a UE é atualmente deficiente” para garantir a resiliência de suas cadeias de suprimentos. Por exemplo, defende a manutenção de baixas barreiras comerciais em bens, serviços e infraestrutura digitais com os EUA. Por outro lado, um plano conjunto de descarbonização e competitividade poderia implicar, em certas circunstâncias, medidas comerciais defensivas. Estas medidas devem ser avaliadas com base no seu potencial para aumentar a competitividade da UE.
Por exemplo, embora considere os Estados Unidos como um dos seus rivais em termos económicos, a UE tentou reforçar os laços com a indústria digital americana. Por outro lado, tem cada vez mais enquadrado sua narrativa em torno da China no contexto de descarbonização, competição industrial e dependência de produtos-chave. Isso levou a UE a adotar medidas comerciais mais duras contra a China em nome do aumento da competitividade, entrelaçando ainda mais a cooperação verde e digital com preocupações de segurança.
De fato, promover a transformação e modernização econômica e industrial é um desafio compartilhado por todos os países. Na Terceira Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China deste ano, a China reafirmou seu compromisso de aprofundar de forma abrangente as reformas e superar as restrições aos sistemas econômicos e de inovação com o objetivo de promover novas forças produtivas de alta qualidade. Se a UE quiser reforçar a competitividade de forma independente, a chave está em equilibrar os interesses económicos entre os seus Estados-Membros para obter o consenso político necessário para fazer avançar o mercado único, a inovação e as reformas fundamentais do sistema industrial.
A fusão contínua de questões econômicas com preocupações geopolíticas pode prejudicar a capacidade da Europa de reverter seu declínio gradual de influência nas indústrias emergentes e no cenário econômico internacional mais amplo, desperdiçando seus recursos limitados.”
Dong Yifan nos dá a dimensão da falta de reconhecimento dos líderes mundiais que ‘o mundo mudou, mas nem mudou tanto’, estou falando da tão propalada ‘globalização’ que para quem conhece a história universal não é nenhuma novidade, apenas um termo usado para identificar a interdependência entre países, povos e pessoas, o que vem ocorrendo há milênios. Comecemos com o agronegócio, termo demonizado pela grande mídia que nasceu quando os primeiros produtores rurais fizeram escambo dos seus produtos em troca de outros que precisavam. Outros exemplos como a imigração, importação de mão de obra especializada, a científica (que sempre enfrentou menos barreiras) e assim por diante.
Hoje o mundo precisa reconhecer que nada, nem ninguém é uma ‘ilha isolada’ na galáxia do Cisne. O que não pode ocorrer, o que vem ocorrendo, é que as relações comerciais não devem ser utilizadas como arma de guerra ou como instrumento de supremacia, sob pena no futuro, nem tão distante, se tornar um fracasso retumbante. A forma mais nobre de utilizar a interdependência é como instrumento do ‘bem estar’ humano.
“Se você não for cuidadoso, os jornais vão acabar te fazendo odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e adorar os opressores.” Malcolm X (1925-1965), ativista dos direitos dos negros.