Há algum tempo a Revolução Francesa mudou o mundo. Por muito tempo, a Cidade Luz foi exemplo de vanguarda do pensamento. O mundo ocidental a copiava.
Agora, resistindo a propostas de mudança e a cortes no orçamento e no serviço público, grita a França: “- Vamos bloquear tudo!”
O movimento de resistência ao pacote governamental ganhou as ruas francesas, levando centenas de milhares de pessoas às ruas. Foram convocados vários atos de protesto e manifestações e ocorreram três greves em curto período. Na França, líderes sindicais defendem mais gastos nos serviços públicos e se opõem à reforma da previdência. O pleito por mais gastos foca em beneficiar a esmagadora maioria da população.
Parece que a França não mais influencia o mundo ou o Brasil, já que, em terras brasileiras, tramita a PEC – Proposta de Emenda Constitucional 38, que mexe profundamente no sistema e ameaça conquistas importantes dos servidores.
Aliás, registra o Jornal do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo – Sintrajud, na edição de 12.11.2025, que já se disse que o governo federal não é contrário ao projeto.
Ora, na França lutam contra proposta do governo que mexa com o serviço público. Aqui, apesar de ser país mais pobre e que muitos mais necessitem dos serviços públicos, têm sido tímidas as manifestações a respeito – o que soa surpreendente!
Ademais, não seria impróprio se cogitar que seriam imensas as manifestações e talvez até greve geral estivesse sendo convocada, se outra fosse a coloração política do governo.
Independentemente desse contexto, estaríamos bem – desde sempre – se a solução para os problemas estivesse nas reformas conjunturais, pois, é crível, não combatem desperdícios de dinheiro público e casos de corrupção ou reduzem a dívida externa.
Além disso, temos a tendência de deixar como estar para ver como é que fica e, por isso, tendemos a preterir as reformas estruturais, que envolvam a solução definitiva dos problemas, resolvendo aspectos políticos, econômicos e sociais. Preferimos adotar, apenas e frequentemente, reformas conjunturais, de curto prazo e menos abrangentes, que servem para resolver o problema mais urgente, mas não cuidam do contexto e das suas motivações remotas e recentes, podendo ser interpretadas como colocar esparadrapo para tampar vazamento num cano.
Já que estamos na iminência de mais uma Reforma Administrativa, é importante lembrar que já tivemos três marcantes reformas: (1) a primeira com Vargas, nos anos 1930, após a Revolução que implantou o Estado Novo, criando o DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público; (2) a segunda em 1967, durante a Ditadura Militar; (3) a terceira em 1995, alvitrando transformar o Estado de executor em regulador das atividades administrativas. Depois tivemos, ainda, a Emenda Constitucional 19/1998, que introduziu profundas modificações no sistema.
É fato que cortes orçamentários não são fáceis de se fazer, mas não podem fazer sangrar a carne da população ao atingir os serviços públicos, do mesmo modo que não se pode crucificar os servidores públicos pelo comprometimento do orçamento com gastos estatais elevados ou o desperdício de dinheiro em ralos orçamentários, elevados gastos militares e histórico endividamento público. Aliás, para refletir, lembramos o que já dissemos em artigo publicado em 13.09.2020, intitulado “Reforma da Reforma, da Reforma da Reforma: ”Se uma casa com 2 quartos não atende bem a 10 moradores, os atenderá melhor se a reduzirmos para 1 quarto?”
Afinal, para que existe o Estado? Para que existe o governo? Existem o Estado e o Governo para ordenar a vida social, por um regime de leis e oferta de segurança pública. Portanto, a sua finalidade é cuidar do povo.
Assim, ao contrário do que alguns possam pensar, descuidar dos servidores públicos e dos serviços públicos não corresponde a beneficiar a população e sim a se ter descaso. Acaso não ficamos sensibilizados quando se divulga notícia sobre filas em atendimento hospitalar? Não nos apiedamos quando alguém sofre uma injustiça? Sob esse prisma, a oferta de bons serviços públicos é causa de contenção da insatisfação popular e mecanismo de dignidade e cidadania.
Aliás, estamos falando de sistemas públicos de prestação de serviço à população, capaz de atender a 200 milhões de brasileiros…
Quando as barragens vazaram o seu conteúdo, em Brumadinho e em Mariana, foram os bombeiros, servidores da saúde e outros que para lá se deslocaram e prestaram o atendimento de excelência, em regime estafante e arriscando as próprias vidas e sem pagamento de horas extras (isso só existe na iniciativa privada)…
Na Pandemia que enfrentamos, a rede pública do SUS suportou o atendimento e foi elogiada.
O acesso à justiça pela Defensoria é imenso e em todas as áreas do Direito, possibilitando que o Judiciário – que não pode atuar de ofício e precisa ser provocado, através da propositura de uma medida judicial – atue pelos mais carentes. Além do acesso ao Judiciário, isso também evita que a massa da população faça justiça com as próprias mãos.
Se o serviço público for desestimulado ou for privatizável, daqui há pouco também podem se fazer campanhas para se privatizar os próprios poderes do Estado, seja o Legislativo, o Judiciário ou até o Executivo!
Ademais, não se deve confundir as carreiras de Estado com as funções temporárias e comissionadas, estas distribuídas em todos os níveis federativos e a cargo de pessoas que não prestaram concurso público, sendo os comissionados livremente nomeados pelos mandatários do poder. Alimentar isso corresponderia retroceder ao tempo dos coronéis…
Por fim, se o pensamento for apenas “econômico”, corremos o risco de se chegar o dia em que alguém decida não gastar certa quantia para cuidar do doente X ou Y, pela gravidade do seu estado de saúde. É um modelo assim que se quer?
É crível que o custo nem sempre corresponde ao valor em jogo. Uma coisa é o preço, outra o significado e o valor absoluto. Quanto vale o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao acesso à justiça, a proteção da propriedade ou do patrimônio público e o acesso à universidade ou escola pública?
Por fim, privatizar ou delegar a entidades privadas o exercício de certas atividades não significará, por si só, aumento da eficiência e redução dos custos.
Não podemos nos sujeitar à pressa e a reformas sem amplo e profundo debate, com todos os setores envolvidos…
Não devemos arriscar levar o país a gastar até mais, com a destinação de polpudas parcelas do orçamento para entidades privadas, que venham a prestar serviços públicos cobrando preços privados
VAMOS BLOQUEAR TUDO! – GRITAM EM PARIS.

