Longe se vai ao tempo em que Carmen Miranda cantava “Yes, nós temos banana!”, composição do Braguinha, de 1938. Fora da animação das marchinhas de carnaval, a música poderia ser trilha sonora para as “repúblicas das bananas”, expressão inicialmente aplicável a Honduras, país que recebeu muita influência econômica e política da United Fruit Company, empresa ligada ao grupo Rockfeller. A partir daí a expressão “república das bananas” se estendeu, também, aos países satélites dessa influência e que tinham política instável e ditatorial.
Aliás, por falar em marchinhas de carnaval, em “Mamãe, eu quero”, verso nada inocente diz que “ela é da bossa e o marido é um boçal”, o que serve para ser aplicado à política interna de alguns países e, neste mundo globalizado, às relações entre algumas as Nações, porquanto sempre há os que se dão bem sobre a inocência e ignorância alheia. A propósito, na CPI da Venda de Terras a Estrangeiros, ocorrida no Congresso Nacional brasileiro, em 1967, há depoimento de estrangeiro dizendo que, por aqui, haveria apenas “graus de ignorância”.
O Brasil atualmente é uma grande potência. Aqui há de tudo, em todos os setores econômicos. Temos, também, urânio, mineral que é cobiçado pelo mundo, inclusive para fins bélicos. Embora a energia atômica não se limite a essa finalidade, muitos têm verdadeira tara por bombas nucleares…
Em sua redação original, a Constituição Federal de 1988 fixava que a exploração do urânio era monopólio da União. Assim dizia o seu art. 177, no seu inciso V, sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio dos minerais nucleares e seus derivados. Esse ideário seguia a linha das Constituições de 1946 (monopólio sobre pesquisa e lavra de jazidas de minérios nucleares), 1967 e 1969, sendo importante relembrar que a finalidade pacífica do emprego dos minérios nucleares foi fixada pelo Decreto-legislativo 50/1967, inerente ao Tratado para a proscrição de armas nucleares.
Contudo, o citado art. 177, da Constituição Federal de 1988, foi modificado no ano de 2006, pela Emenda Constitucional nº 49, o que ensejou a edição da Lei nº 14.514, de 29 de dezembro de 2022, pela qual o aproveitamento dos elementos nucleares poderá ser feito por meio de “associação” do órgão governamental com tal atribuição – a INB – Indústrias Nucleares do Brasil – com “o titular da autorização da pesquisa mineral ou da concessão da lavra” (art. 8º, parágrafo 2º, inciso I), inclusive fixando que, dentre as suas receitas, está o produto da “comercialização de minérios nucleares e de seus associados, concentrados e derivados” (art. 5º, inciso II, b) e “receitas e recursos oriundos” dos “acordos, contratos, convênios firmados com entidades nacionais e estrangeiras, públicas ou privadas” (art. 5º, inciso V, alínea a). Essa lei vige com a modificação de alguns dispositivos, diante da derrubada de vetos e das promulgações presidenciais ocorridas em 18.7.2023 e 21.5.2024.
Portanto, como diz a matéria que consta em página da Rádio Senado, do Senado Federal, intitulada “Lei que permite extração privada de minérios nucleares é sancionada”, de 04.1.2023, assinada por Iara Farias Borges, fica evidenciado que aquela norma “permite que a iniciativa privada atue na extração e pesquisa de minérios nucleares”.
O tema é sensível e, talvez, por isso, tenha havido tanta repercussão a venda da Mineração Taboca para a empresa estatal chinesa CNMC – China Nonferrous Mining Metal Company (Brasil mineral, 26.11.2024). A Mineração Taboca explora cassiterita (que produz estanho), na mina Pitinga, situada no belo município de Presidente Figueiredo – Amazonas, localidade situada há cerca de 130 km de Manaus e onde, aliás, há belíssimas cachoeiras, algumas das quais já visitei. Além da cassiterita, a mina contém traços de nióbio, tântalo e urânio – que, ali, consta, vai para rejeito (G1, AM, 28.11.2024). Curiosamente, o regime chinês não permitiria que empresa estrangeira comprasse algo assim, lá, onde as estatais chinesas dominam a mineração, para “garantir o controle sobre recursos estratégicos” (Revista Fórum, 29.11.2024).
De qualquer modo, como vimos, a legislação brasileira permite a atuação privada na exploração mineral nuclear.
Também há urânio nas minas de Caetité – Bahia e em Goiás, Amazonas e Ceará. A propósito, convém registrar, há poucos anos tive a oportunidade de visitar a gigantesca mina de urânio existente na cidade de Caetité – Bahia.
Das minas, o material é carregado em caminhões para ser britado, fragmentando-se os pedaços, para que possam ser banhados em ácido sulfúrico, formando o licor de urânio que, uma vez purificado, origina o concentrado que é chamado de yellowcake. Depois vêm as etapas de conversão (que não fazemos) e enriquecimento. Tudo é monitorado e altamente controlado.
As questões relacionadas ao urânio envolvem riscos e ligam-se à soberania e ao desenvolvimento. Curiosamente, sempre há conflitos entre países e a indústria da guerra é forte mola propulsora de novas tecnologias, envolvendo, sempre, muito dinheiro.
Por isso, é natural que menos se pense no uso civil e pacífico dos minerais atômicos, o que é até óbvio, já que a sua potencial utilização não pacífica aumenta em intensidade e interesse conforme mais conflitos e guerras surjam pelo mundo.
Como se não bastassem os conflitos habituais e tão frequentes com que nos deparamos na região do Oriente Médio, ora envolvendo um ou outro ator, além das guerras envolvendo alguns desses e interesses de grandes potências, como ocorreu no Afeganistão e no Iraque, temos hoje duas guerras que, concretamente, ameaçam ser o parto da Terceira Guerra Mundial. Em verdade, com o recém-inaugurado conflito entre Israel e Irã e a tensão sobre o iminente ingresso dos Estados Unidos no conflito, parece que a guerra entre Rússia e Ucrânia já deixou de ser o motivo do maior interesse – e temor – global. Isso tudo cresce em importância quando já se desenhava rearmamento europeu, com países aumentando os gastos com armamentos.
As guerras hoje contam com drones, mísseis de longo alcance e aviões. Tudo é incrivelmente sofisticado e capaz de grande precisão nos ataques, com pouco efeito colateral. Contudo, isso parece ser menor do que o potencial destrutivo das armas atômicas, que continuam sendo motivo de grande preocupação entre os povos e nações. Talvez o seu maior perigo, hoje, não esteja com as grandes nações que as possuem, mas com grupos terroristas e países com regimes fechados e ditatoriais, que dificultam ou impedem a fiscalização internacional.
Fato é que a paz é uma necessidade e um desejo de todos. Entretanto, quando o senhor da guerra bate à porta e a foice da morte anseia por cortar as cabeças dos povos, a tendência não é se desfilar com flores e canções e sim com tanques, canhões e armas, cada vez mais mortais.
YES, NÓS TEMOS URÂNIO!
