A legislação anterior (Lei 8.001/1990) definia como percentuais de distribuição da CFURH 45% para os estados, 45% para os municípios e 10% para a União, dos quais 3% vão para o Ministério de Meio Ambiente, 3% para o Ministério de Minas e Energia e 4% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
A nova lei reduziu o percentual de repasse para os estados de 45% para 25%, transferindo essa diferença para os municípios, que passaram da faixa de 45% para 65%. Essa compensação na área hídrica é repassada hoje, mensalmente, a 21 estados, ao Distrito Federal e mais ou menos 700 municípios.
Citou-se como argumento em favor dessa redistribuição da CFURH o fato de o percentual proposto para os municípios ser idêntico ao já fixado pela exploração de recursos minerais, o CFEM, que vão 12% para a União, 23% para estados e 65% para municípios.
Bem, podemos dizer que a lei melhorou muito para o elo mais fraco do pacto federativo tupiniquim – os municípios – sem dúvidas!
Mas ainda há muito a aprimorar em termos da legislação de ambos os royalties (CFURH e CFEM), pois o critério da distribuição é de cunho individualista, que leva em conta somente o local de inscrição do direito de lavra no caso dos minérios ou os limites territoriais da instalação da hidrelétrica na outra hipótese.
Muitas das vezes temos reservatório de água (barragens) no município vizinho, rejeitos ou pátios de minério. No caso da Pedra Branca x Serra Navio, ocorre reciprocamente e não me consta que o Royalty de uma atividade minerária beneficia o município vizinho, porque se inscreveram essas obras dentro dos limites de seu território de cada um, respectivamente.
É o caso das minas de ouro (Beadell, hoje mina Tucano), de manganês (Icomi) e ferro (Dev Mineração, que assumiu a recuperação judicial da desastrosa Zamin, sucessora da Anglo American no Amapá).
Mas uma coisa me chama atenção porque não obstante a mina estar localizada em determinado município, o direito de lavra pode ter uma poligonal que abrange parte do outro município. No meu ver, nesse caso ambos os municípios teriam direito ao royalty minerário (CFEM), não podendo levar em consideração somente o local de exploração, mas sim a área toda (poligonal) liberada para a lavra.
E no caso das hidrelétricas, a lei deveria levar em consideração não só os impactos locais, mas também os impactos indiretos que se irradiam por toda a bacia hidrográfica, atingindo municípios da montante e da jusante, bem como nos municípios lindeiros e adjacentes.
Os parâmetros e as diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/97), cuja premissa estabelece que a água é necessária em todos os aspectos da vida e que a escassez generalizada, a destruição gradual e o agravamento da poluição dos recursos hídricos exigem o planejamento e a gestão integrada desses recursos, competindo ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos promover a articulação dos planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários elaborados pelas entidades que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e formular a Política Nacional de Recursos Hídricos, nos termos daquela lei.
Para melhor compreensão do problema, vou citar o caso de Cutias do Araguari, que após a instalação de mais duas hidrelétricas no Rio Araguari (UH Ferreira Gomes e UH do Paredão), sofreu impacto nas suas atividades turísticas com o fim do fenômeno da POROROCA, que trazia surfistas do mundo todo, gerando renda com a indústria sem chaminés, o turismo. O corredor turístico simplesmente sumiu com a perda da força hidráulica do Rio Araguari.
E não adianta vir querer colocar a culpa nos criadores de búfalo coisa nenhuma! Há muito tempo criam-se bubalinos no baixo Araguari, como há muito tempo tínhamos a UH Coaraci Nunes (Paredão) e nada disso afetava a pororoca.
Coincidentemente, após a entrada em operação das duas barragens, UH Caldeirão em Porto Grande e UH Ferreira Gomes na cidade de mesmo nome, a POROROCA sumiu, escafedeu-se, saiu em desabalada carreira tomando rumo ignorado! (rsss).
Como eu não acredito em coincidências e por dedução lógica (até que me provem o contrário, tipo São Tomé, ver para crer!), trata-se de impacto direto de uma atividade que foi afetar um Município na jusante, distante do local de instalação da atividade impactante.
Somente Porto Grande e Ferreira Gomes recebem expressivos valores a título de CFURH (royalty hídrico) e a paupérrima Cutias do Araguari não recebeu nem uma banana sequer! Enquanto Porto Grande e Ferreira Gomes ganharam novos agentes cênicos para exploração turística nas áreas do entorno dos Lagos das UHE Ferreira Gomes e UHE Paredão, o Município de Cutias fez seu réquiem de morte da Pororoca e o rio Araguari perdeu 110km de seu leito e teve o fim de sua foz com o Oceano Atlântico.
Os programas socioambientais que estão previstos no EIA/RIMA tanto da UH do Caldeirão como da UH de Ferreira Gomes estão restritos à área de impacto direto, a saber: 1) de monitoramento integrado; 2) de indenização e terras e benfeitorias; 3) de prospecção e resgate do patrimônio arqueológico; 4) de controle ambiental das obras e construções; 5) de ações socioeconômicas; 6) de ações ambientais para a limpeza do reservatório; 7) ambiental de conservação e uso do entorno do reservatório; 8) de educação ambiental; 9) de TURISMO SUSTENTÁVEL; 10) de apoio à elaboração dos planos diretores e 11) de compensação ambiental e programa. Todos SÃO RESTRITOS A FERREIRA GOMES E PORTO GRANDE.
Cutias do Araguari ficou a ver navios e sem pororoca! Além de já vir sofrendo os impactos dos búfalos, espécime exótica que destrói o habitat por abrir enormes valas, permitindo a entrada de água salobra nos lagos e campos, além da prática deletéria de eliminação das matas ripárias (ciliares) que facilitam a lixiviação, erosão e reduzem o volume da calha do rio pelo assoreamento, sofreu os impactos da instalação de duas hidrelétricas sem receber compensação alguma e não recebe o quinhão da CFURH.
Eu sempre falo: um problema só é resolvido quando bem compreendido. Uma vez entendido o problema, vamos à solução?
A solução vai por uma profunda análise e reforma da Lei 13.540/2018, que só beneficia o município de inscrição da atividade e não leva em conta os impactos indiretos nos demais municípios, quer seja por efeitos ambientais, como pela movimentação demográfica, danos em potenciais, utilização de recursos da mesma bacia hidrográfica, rodovias e vias urbanas, utilização de equipamentos urbanos etc.
A mesma injustiça se dá na área de mineração, mitigada pela nova lei da CFEM que reserva 15% para os demais municípios, quando afetados pela atividade de mineração e a produção não ocorrer em seu território, nas seguintes situações: a) cortados pelas infraestruturas utilizadas para o transporte ferroviário ou dutoviário de substâncias minerais; b) afetados pelas operações portuárias e de embarque e desembarque de substâncias minerais; c) onde se localizem as pilhas de estéril, as barragens de rejeitos e as instalações de beneficiamento de substâncias minerais, bem como as demais instalações previstas no plano de aproveitamento econômico.
Mas porque a bancada federal até hoje não atentou para isso, a falta de distribuições de recursos? Bem, primeiro fator é que PATO NOVO não mergulha FUNDO. E outra: tem uma galera que só ouve o pássaro cantar, mas não sabe donde! As grandes mineradoras têm olhos de Meduza e a maioria no congresso não quer virar “pedra de sal” (rss).
A mineração é uma atividade finita e se não garantirmos que seus impostos e resultados sejam bem aplicados nos municípios, as cenas desse filme já foram vistas em Serra Pelada e em muitas outras áreas, inclusive aqui no nosso Amapá. Ainda não tenho minhas certezas se a mineração é dádiva ou maldição, mas sei onde se deve fortalecer pela primeira opção – use seu voto para ser bem representado no Congresso Nacional.
Por isso, a palavra mágica é renovação, constituindo-se uma bancada federal com conhecimentos técnicos para mudar o que deve ser mudado para o fim colimado de reduzir as desigualdades sociais e regionais, assim como saber entender o caráter das coisas imutáveis.