Lá vai um pequenino de pés no chão. Lá está uma mulher junto ao fogão, não tem braseiro, nem botijão. Não há na panela nem arroz, nem feijão, e não se vê sobre a mesa sequer um pedaço de pão…
Lá vai um homem fazer roçados, pisar sobre escombros, restos de bombas, garimpar trabalhos descontinuados ou um prato servido de qualquer cozido – alimentos, talvez contaminados. Os braços magros, a tez suada, o olhar reticente… A voz sufocada escondida entre dentes para não revelar o grito de dor dos abandonados e/ou mutilados.
Quem os ouvirá em um mundo onde espaço para o diálogo não há? Quem os ouvirá onde os estrondos de bombas fazem a euforia dos criadores dos jogos de guerra abastecidos com almas vivas para exterminar?
Falar em paz em meio às distopias do empoderamento por guerras é abominável para os arautos dos impérios de maldades.
Irás me dizer: mas tu estás a falar.
Quem irá me ouvir, quem te ouvirá, quem nos ouvirá – a nós amantes da paz?
Muitos já falaram e foram por tal feito até difamados, tiveram suas falas distorcidas, e tantos outros se calaram. Em contrapartida outros eram ilusionistas, oportunistas a espalhar intenções que jamais serão cumpridas.
Faz séculos, milênios ou bilhões de milênios que a humanidade assim se desencaminha em meio a dor e a agonia da luta do mais forte aniquilando ao mais fraco para depois aquele cair e ver desmoronar suas conquistas como castelos de arreia emblemáticos: cidades perdidas, civilizações encobertas pelas areias dos desertos, fantasmas de outrora sem glórias.
Absorta na imensidão da indignação diante de espetáculo repetitivo e cada vez mais embrutecido busco socorro na História, nas Ciências e nas Artes. Ouço de todas a conclusão objetiva – é necessário o diálogo, ouvir a si e ao outro. É este o primeiro passo para o abraço, o fraterno abraço do saudável convívio.
Esta reflexão de sim e de não – utopia e distopia – que ora faço, dela em reverso, encontro ecos nos versos de Olavo Bilac: “Há quem me julgue perdido, porque ando a ouvir estrelas. Só quem ama tem ouvido para ouvi-las e entendê-las.”
DISTOPIAS E FALÁCIAS
