Meu saudoso, sábio e amado pai tinha como grande diversão os jogos de baralho, talvez com ele eu tenha aprendido a identificar quando os adversários estão blefando. Na medida que a idade chegava sua visão deixou de ser tão boa quanto na juventude e precisou usar óculos para poder continuar a jogar. Optou então por óculos com lentes tri focais. Tais lentes permitiam que visse as cartas nas mãos dos adversários, o descarte na mesa e as suas próprias cartas.
Por isso que afirmei acima que talvez para identificar e saber onde estão os óbices ao Agro brasileiro precisemos usar óculos com lentes tri focais. Os inimigos do Agro não são apenas os países da União Europeia. Lamentavelmente temos inimigos internos em sintonia fina com os externos, por medo ou outros sentimentos menos recomendáveis. Temos necessidade de identificar os colaboracionistas que rezam e oram pela cartilha impressa e divulgada por outros países e até mesmo por organismos da ONU. Assim a necessidade das lentes tri focais.
Tragicamente há outros tipos de inimigos do Agro, entre eles os induzidos através do que denominei de epidemia mental disseminada através da mídia e das redes sociais. Engana-se totalmente quem denomina de “fake news” as falsidades e inverdades divulgadas. Como diz meu amigo João Carlos Rodrigues, ilustre jornalista diretor e editor do AGROemDIA – não existem notícias falsas. A divulgação de falsidades e inverdades não são e jamais serão notícia, são apenas meras divulgações de boatos, inverdades e falsidades.
O Agro sempre se defrontou e continua se defrontando com ataques que o prejudicam e ao país!
Um dos maiores prejuízos ao Agro, desde a chegada de Cabral, ocorreu quando uma decisão o STF derrubou duas decisões unanimes anteriores que estabeleciam a inconstitucionalidade do Funrural. A nova decisão restabeleceu a constitucionalidade por 6 votos contra 5, uma diferença pífia diante das anteriores. Foi criado assim o maldito e enorme “passivo retroativo” da dívida do Funrural, convencendo toda a sociedade que as mulheres e homens do campo, que alimentam a todos, não passam de caloteiros e precisam ser punidos nem que para isso seja necessário sequestrar suas produções e terras, destruindo famílias inteiras, tornando o país mais pobre e as favelas das cidades maiores. Além do que o lançamento do débito no cadastro de devedores da Receita Federal faz com que os pequenos produtores percam o acesso aos bancos oficiais e linhas de crédito oficiais, passando a ser presas fáceis para os agiotas, bancos privados com juros astronômicos e fornecedores mal intencionados. O que mais incomoda é o “silêncio sepulcral” em relação ao assunto, bem condizente com o velório dos pequenos produtores.
No Congresso Nacional estão tramitando as PECs de Reforma Tributária, PEC 110 no Senado e 45 na Câmara. A Reforma Tributária, vendida inicialmente como simplificadora da arrecadação, cresceu e adquiriu novos rumos. Que me perdoem os senhores parlamentares que apoiam qualquer das duas, por sinal a maioria eu conheço e respeito pela enorme contribuição que tem dado ao país os apoiadores, os autores, os relatores e os técnicos que as redigiram.
Vou me limitar a abordar, apenas, dois dos problemas que transcendem o Agro e atingem todos os setores da produção nacional: 1°. A criação de um imposto nacional sobre o consumo que chega a ultrapassar 35%. Os senhores legisladores esqueceram ou não sabem que qualquer cadeia de produção começa no produtor e termina no consumidor. Os consumidores, que somos todos nós, inclusive, os próprios parlamentares, afinal não somos marcianos, são aqueles clientes que definem o preço dos produtos os comprando ou não. Prevejo assim uma queda brutal do consumo refletindo e reduzindo a produção de todas as cadeias, do Agro ou fora dele. 2°. O final dos incentivos fiscais estaduais. Parece que os senhores governadores e alguns parlamentares ficaram obnubilados e esqueceram a dinâmica da economia para os desenvolvimentos estaduais. Os incentivos fiscais sempre foram usados como meio de atração de empresas para os estados e na hora que forem extintos haverá um enorme “êxodo” de empresas. Alguns sábios insistem em falar em renúncia fiscal. Não consigo entender como alguém pode renunciar o que não possui. Talvez estejam olhando na direção errada e precisem de óculos com lentes tri focais. O que vejo é que tais “renúncias” trazem, como efeitos colaterais, enormes benefícios para a economia estadual e para o povo.
O que mais nos deixa entristecidos, são os próprios produtores que sofrem calados, perdem tudo e mesmo assim não reagem. Um triste reflexo, ainda, do poder colonial que sempre os sacrificou sem maiores explicações.
Vejam bem, além de usar lentes tri focais ampliei a minha visão periférica para abranger, além do Agro, todos os setores da economia. A ampliação da visão periférica é muito importante quando estão tramitando duas PECs de Reforma tributária que ensejam, nas suas entranhas, uma enorme “queda de braços” entre os setores produtivos. Creio que é hora dos setores produtivos, reais geradores de riquezas e empregos, ampliarem suas visões periféricas e sentarem em uma mesa para discutir as PECs, para se posicionarem, em conjunto e unidos, contra elas ou boa parte delas.
Quaisquer medidas econômicas ou políticas públicas antes de serem adotadas se faz necessário um estudo profundo, com a participação do setor privado, do impacto regulatório e os efeitos colaterais para a população. Qualquer medicamento, do mais inferior ao mais relevante, traz em sua embalagem uma bula que descreve os efeitos colaterais e as providências para superá-los.
Gil Reis
Consultor em Agronegócio