Portando uma grave doença que, inerentemente, vai matá-lo em breve, Mehmet se agarra aos seus sonhos antigos e ao trabalho como uma forma de lidar com a inevitabilidade da morte. Até que, uma noite, ele encontra Ali (Emir Ali Dogrul), um garotinho sujo, machucado e assustado em meio as caixas do depósito. Percebendo que o garoto não pode voltar para casa por conta de um padrasto abusivo, ele assume o compromisso de tentar resolver a problemática por si só e, nesse intervalo de tempo, cuidar do menino.
A relação paternal que os dois desenvolvem ao longo do filme é cativante e cheia de alegria – apesar de, como qualquer outra, ter altos e baixos – Mehmet guia Ali por uma vida que ele nunca teve, com alguém que o fizesse sentir amado, protegido e o ouvisse. Nada disso seria possível sem as atuações magistrais da dupla, que fortalece o discurso pró-vida da frase antecedente ao longa: ‘’Em um mundo no qual crianças choram, o riso acaba sendo cruel’’.
Não bastasse a qualidade da fotografia, roteiro e enredo, o espectador é presenteado com um plot twist fantástico ao final do filme, subvertendo tudo o que se sentiu com a história. É um drama poderoso, que olha com coragem e sensibilidade para as margens da sociedade.
Fuja (Netflix)
Em um período de isolamento social, produções que exploram medos relacionados a esse retiro têm ganhado força. ‘’Fuja’’ consegue, além de transmitir toda a tensão que se espera de um bom suspense, abordar uma gama de assuntos sérios como o abuso intrafamiliar, a pouco discutida, porém relevante síndrome de Munchausen por procuração e a deficiência.
Chloe (Kiera Allen) é uma jovem cadeirante educada em casa pela mãe, Diane (Sarah Paulson). A mãe, claramente obcecada pela garota, faz questão de mantê-la dependente e isso se revela em diversos aspectos do filme, como o fato de o banheiro da jovem não ter tranca, ela não ter um celular ou computador próprio e não poder sair sozinha para nada. Com a demora na chegada de sua carta da faculdade, dizendo se ela foi ou não aprovada, e mentiras sobre sua medicação, Chloe começa a suspeitar que a mãe esteja escondendo alguma coisa.
Sarah consegue captar a essência de uma mãe controladora, narcisista e obssessiva, com olhares, trejeitos e uma caracterização fantástica e a novata, Kiera, brilha na pele de uma jovem inteligente e eventualmente abatida com as atitudes de sua mãe. Tanto a dinâmica quanto a individualidade das duas é tão visceral que é impossível não sentir o fôlego se esvaindo ao longo do filme.
Com uma atuação memorável, uma atmosfera sufocante, e abordagem de temas totalmente contemporâneos, ‘’Fuja’’ se torna um suspense canônico da Netflix e eleva a carreira de duas brilhantes atrizes a outro patamar.