Gírias são expressões que nascem, duram um tempinho, umas mais, outras menos, vão ficando enrugadas, caem em desuso, envelhecem e acabam morrendo.
Uma tia pelo lado paterno casou com um norte americano do Vermont. Muito espirituoso, gostava de fazer gozação com o inglês macarrônico de sua namorada brasileira a quem chamava de Stinky – em português, Fedorenta. A tradução nada tem a ver com a sempre cheirosa e brejeira irmã de meu pai. Na verdade, não passava de forma jocosa e amorosa com que meu tio a chamava.
Minha tia chamava o marido de Honey; literalmente, Mel. O termo também vale como metáfora que se aplica à pessoa querida que lhe é doce.
Em tenra idade, fui muitas vezes sequestrado pelo casal, deles vindo a aprender inglês como segunda língua. Guardo agradáveis lembranças, como do diálogo que certa vez ouvi:
= Honey? (Mel?)
– Yes, Stinky. (Sim, Fedorenta.)
– What are you doing? (O que você está fazendo?)
= I’m trabalhanding. (Estou workando.)
O casamento foi ao fim da Segunda Guerra Mundial. Depois de algum tempo morando no Brasil, foram, com as três filhas que sobrevieram, morar em diferentes continentes. Até no Paquistão passaram tempo suficiente para que as duas filhas mais velhas aprendessem a se expressar em hurdu.
Havia gírias usadas no Brasil na década de quarenta que saíram de moda. Por exemplo, quando alguém se propunha a realizar bem uma tarefa, dizia que iria “sentar a pua”. O dito pegou tanto que veio a inspirar o símbolo da aviação militar brasileira. Pintou-se na fuselagem dos caças Thunderbolt P-47 que combateram contra os nazifascistas na Itália em apoio à FEB – Força Expedicionária Brasileira – uma ema caracterizada com um olho maroto a piscar, acompanhada do dístico “Senta a pua!”
Outra expressão da mesma época muito empregada no Brasil para se referir à realização com sucesso de uma missão dizia: – a cobra vai fumar! Não deu outra: tornou-se brasão ostentado pelos pracinhas da FEB uma cobra com um charuto aceso na boca e com o olhar matreiro dos brasileiros combatentes, muitos deles enterrados em Pistoia e ao fim trazidos para o Brasil, sepultados no monumento do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Naqueles tempos, quando alguém reencontrava seus íntimos e deles queria saber as últimas novidades, disparava:- Alô, amigo! Que é que há com teu peru?
Muito tempo fora do Brasil, minha tia falava o tempo todo em inglês, ou um pouco do idioma do local onde estivesse com o marido e filhas. Português brasileiro somente em casa com as meninas e o companheiro – este último, eterno gozador, expressava-se em portuglês e pregando peças em sua amada Stinky. A tia, apesar de fluente em inglês, não perdera o sotaque brasileiro que fazia com que o inglês por ela falado fosse, no dizer do tio, “cute” (engraçadinho). Totalmente desprovida de malícia, só depois de longo tempo chegou a compreender a peça que o tio lhe pregava quando a chamava diante dos companheiros americanos e lhe pedia, com candura:
– “Stinky, how do you say in Brazilian steel knife? (“Fedorenta, como você diz em brasileiro ‘steel knife’?”) – E quando a tia respondia dizendo “faca de aço”, nunca conseguia entender porque os gringos explodiam em gargalhadas. Ela não sabia que para os americanos “faca de aço” soava como “fuck the ass” – palavrão que, por decoro, deixo de traduzir. Quem não souber o que é “fuck the ass” consulte o doutor Google.
Inteiramente por fora das gírias correntes após longa ausência no exterior, a tia veio ao Brasil. Ao chegar, escandalizou toda a família quando teve de ser advertida pelo meu pai depois de abraçá-lo e dizer-lhe com toda inocência:- “Alô, querido irmão! Que é que há com teu peru?”
Rui Guilherme
Juiz de Direito e Escritor