Nas últimas duas semanas a pauta do STF foi ocupada com um pedido da ANAJURE – Associação Nacional dos Juristas Evangélicos, ao qual contestava a autoridade de Estados e Municípios decretarem o fechamento temporário de templos religiosos, por motivos exclusivamente sanitários, alegando uma “grave ameaça a liberdade religiosa”. Não apenas é antipática, mas profundamente problemática tanto no aspecto social, quanto teológico tal arguição.
Estou convencido de que não há o que se falar no Brasil a respeito de perseguição religiosa, especialmente contra os evangélicos. Não é nem imaginável em nenhum lugar do mundo, exceto aqui, aventar cerceamento de liberdade religiosa evangélica em um país onde o Presidente da República foi eleito citando versos bíblicos em seu programa eleitoral. Não há o que se falar de perseguição religiosa quando a esplanada dos ministérios possui pastores e pastoras ocupando cargos de alto escalão, inclusive, sendo um deles, o Advogado Geral da União que fez sustentação oral de sua fé durante a sessão do Supremo Tribunal Federal.
Não há o que se falar de perseguição religiosa em um país onde o congresso nacional tem formalizado uma “bancada evangélica” que tem permissão para realizar cultos religiosos livremente nas dependências da Câmara dos Deputados. Nossa situação fica ainda mais vexatória quando comparada a países onde de fato nossos irmãos sofrem perseguição, como Coreia do Norte, Afeganistão, Somália, Líbia, Paquistão, Eritreia, Iêmen, Irã, Nigéria e Índia, apontados pela Missão Portas Abertas como os dez países que mais perseguem e matem cristãos atualmente.
Causa um incômodo ver a mais alta corte discutindo sobre abertura ou fechamento de templo enquanto estamos em uma pandemia que mata diariamente em média mais de 3 mil pessoas, superando inclusive a marca dos 4 mil mortos em alguns dias.
Acredito sim que tal assunto nem deveria ter chegado ao Supremo se Supremo fosse o amor e responsabilidade das lideranças religiosas que se agarram as portas de seus prédios. Estes não apenas demonstram falta de tato social, a tão famosa empatia, mas também colocam em cheque suas próprias percepções a respeito da Bíblia, que claramente assegura aos Cristãos o privilégio do culto a Deus independente do lugar. Parece-me fortemente que, uma parte da igreja evangélica está abrindo mão do privilégio da onipresença de Deus, pelo direito de ir ao templo.
O apego ao templo não é algo de hoje na cultura judaico-cristã. Ele pode ser remontado desde o Tabernáculo de Moisés, passando pelo templo de Siló, pela Tenda de Davi até chegar ao famoso Templo de Salomão. Houve, durante séculos, a verdadeira necessidade de concentrar a religiosidade em um só lugar por fins didáticos. Não é o objetivo adentrar profundamente nos aspectos teológicos, mas digamos que o povo precisava aprender algumas coisas antes de receber o maior dos ensinamentos e mistérios, como disse São Paulo: “Que Cristo mora dentro de vocês e isso é a esperança!”. Não sei se aprendemos.
Por anos a religião foi templocêntrica até que Jesus veio até nós nos tirar desse paradigma e instaurar, através do amor, a possibilidade de sermos, como disse o Apóstolo São Tiago “templos do espírito santo”.
Quando nos, cristãos, nos agarramos aos prédios, no meio da mais grave crise sanitária que nosso país já enfrentou em sua história, estamos passando uma péssima mensagem para nossa nação, a mesma que dizemos em nossos cultos que queremos salvar. Inevitavelmente são questionadas nossas verdadeiras motivações quando insistimos em dizer aos membros algo diametralmente oposto ao que a própria Bíblia ensina.
Com respeito às divergências, não vejo riscos à liberdade religiosa cristã nesse episódio das medidas restritivas, até porque todos os templos, de diversas manifestações religiosas, estão fechados nas cidades onde a pandemia está em sua fase aguda. Juntamente com os templos estão fechados os cinemas, as bibliotecas, os shoppings centers em uma pandemia cujo vírus não tem demonstrado nenhum tipo de distinção social, cultural, etária e muito menos religiosa. Infelizmente muitos homens e mulheres da Fé têm morrido nesses dias vítimas da Covid-19. Na poesia de Samuel, profeta bíblico, “caíram os valentes guerreiros na guerra”.
Causa incômodo ver o STF debatendo sobre a abertura ou fechamento de templos religiosos primeiramente, pois não é da competência daquela corte (levar esse tema até lá sim, é de grande temeridade!) e acima de tudo, porque deveríamos estar fechando voluntariamente justamente para não termos que ser tutelados por decretos, sejam esses Estaduais ou Municipais. “Sua bandeira sobre nós é o amor”.
Aprendi com grandes líderes que faz parte do evangelho abrir mão de seus direitos em prol do próximo. Se o convite de Jesus foi para darmos a nossa vida pelos nossos irmãos, quanto mais o fechamento temporário de prédios nas cidades cuja classificação sanitária encontra-se nas faixas vermelha ou roxa.
Não há que se falar de perseguição aos evangélicos no Brasil, mas há sim, que se falar de uma grande tentativa de parte de alguns evangélicos, com grande esforço, para se antipatizarem perante a opinião pública. Esses sim sofrerão, mas que não digam depois que estão sofrendo por amor à Cristo, mas sim por sua própria ganância, insensibilidade e indiferença.
O médico Lucas, autor do livro de Atos dos Apóstolos, escreveu sobre uma igreja que “caia na graça do povo” ao se referir à Igreja Primitiva. Era uma igreja querida porque de forma orgânica cuidava “das viúvas, dos órfãos e dos necessitados”. Em um exercício de fé, imagino que os pais da igreja encontrariam na atual crise uma missão de amor e cuidado, pois ultrapassadas as 300 mil vítimas não faltam em nosso país viúvas, órfãos e pessoas que precisam de cuidado daqueles que estão em batalhas judiciais.
Além disso, julgo muito difícil que eles, os pais da igreja, juntamente com aqueles outros citados na galeria dos Mártires, aqueles que foram perseguidos de verdade, mutilados, esquadrejados, partidos ao meio, jogados em fogueiras para que a mensagem do evangelho chegasse até nós, considerariam o Brasil Evangélico de 2021 sob qualquer risco à Fé que não devido ao próprio comportamento dos que se dizem fiéis.
Lucas Abrahão
Pós graduando em Gestão Pública. Já foi Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e de Assistência Social de Macapá. Escreve sobre política, teologia pública, juventude e conflito de gerações. Autor do livro “Como lidar com os erros de nossos pais