O mundo volta a acompanhar com apreensão os movimentos de Moscou e Washington, que parecem repetir passos da Guerra Fria. Em um intervalo de poucos dias, Vladimir Putin e Donald Trump voltaram a escalar a retórica nuclear, com cada um tentando reafirmar o poderio bélico em meio a um cenário global de crescente instabilidade.
Enquanto o líder do Kremlin exibiu drones atômicos e mísseis “invencíveis” nas últimas semanas, o presidente norte-americano ordenou a retomada de testes nucleares nos EUA pela primeira vez em mais de três décadas. Trump justificou, na quarta-feira (29/12), que a ação busca “igualar as condições” com Rússia e China, que estariam conduzindo projetos de modernização dos arsenais.
“Devido aos programas de testes de outros países, instruí o Departamento de Guerra a iniciar os testes de nossas armas nucleares em igualdade de condições”, declarou em publicação nas redes sociais.
Poucas horas antes do anúncio norte-americano, Putin celebrava o sucesso de um novo teste do Poseidon, drone submarino movido a energia nuclear com capacidade de gerar tsunamis radioativos e atingir cidades costeiras inimigas.
O líder russo afirmou que a arma “supera significativamente” o míssil balístico intercontinental Sarmat, considerado até então o mais potente do arsenal russo. “Em termos de velocidade e profundidade, não há nada comparável em nenhum lugar do mundo. Isso é um sucesso tremendo”, declarou o presidente durante visita a um hospital militar em Moscou.
O Poseidon, de 20 metros de comprimento e 100 toneladas, pode operar a mais de mil metros de profundidade, tornando-se praticamente indetectável.
A arma anunciada por Putin combina capacidade destrutiva e alto valor simbólico – um recado direto à Ucrânia, que segue pressionando os Estados Unidos por mísseis de cruzeiro Tomahawk.
Após o anúncio de Trump, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou, nessa quinta-feira (30/10), que a Rússia “agirá de acordo com a lei” caso os Estados Unidos rompam a moratória sobre testes nucleares.
“Os EUA são uma nação soberana, mas quero lembrar as declarações de [Vladimir] Putin de que, se alguém se afastar da moratória, a Rússia agirá de acordo com a situação”, disse.
Corrida armamentista reacesa
O anúncio norte-americano marca uma ruptura com mais de 30 anos de política de contenção nuclear. O último teste dos EUA ocorreu em 1992, no deserto de Nevada. Desde então, vigorava uma moratória informal baseada no Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT), assinado em 1996, mas nunca ratificado por Washington.
Já Moscou, que havia ratificado o CTBT em 2000, revogou essa decisão em 2023, alinhando-se à postura norte-americana. Com isso, o equilíbrio global volta a depender de tratados frágeis – como o New START, de 2010, que limita o número de ogivas estratégicas a 1.550 por país e expira em fevereiro de 2026.
Na sessão plenária do Fórum Valdai, Putin voltou a questionar a continuidade do acordo. “Sabemos que há pessoas nos Estados Unidos que dizem: ‘Não precisamos de nenhuma extensão do New START’. Mas se eles não precisam, nós também não precisamos. Estamos confiantes em nosso escudo nuclear”, afirmou o presidente russo.
Sob a sombra dos mísseis Tomahawk
- Volodymyr Zelensky pediu a Donald Trump o envio de mísseis Tomahawk para reforçar a defesa da Ucrânia contra a Rússia. As armas têm longo alcance, alta precisão e são difíceis de detectar por radares.
- Segundo o presidente ucraniano, Moscou “tem medo” dessa capacidade.
- As negociações avançavam, e Zelensky chegou a se reunir com Trump. Um dia antes, porém, o presidente russo, Vladimir Putin, telefonou para o norte-americano.
- Após a conversa, Trump adotou uma postura mais cautelosa sobre o envio dos mísseis.
- Depois do encontro com Zelensky, o republicano demonstrou incerteza sobre a decisão.
- Mesmo assim, a imprensa internacional informou que as conversas sobre o fornecimento dos Tomahawk foram retomadas.
- Putin reagiu e afirmou que a resposta da Rússia a um eventual ataque com o armamento seria “avassaladora”.
De volta ao jogo atômico
Com Rússia e Estados Unidos concentrando cerca de 90% das ogivas nucleares do planeta, a tensão entre as potências reacende temores de uma nova corrida armamentista, agora em plena era da hiperconectividade e das guerras híbridas.
Para o analista político e professor de história Victor Missiato, do Colégio Mackenzie, trata-se de uma escalada militar que, embora ainda esteja no campo da retórica, já tem efeitos concretos.
“A corrida armamentista entre as potências cria um efeito cascata, como podemos ver no aumento do orçamento de defesa em países da União Europeia. Sinaliza-se uma luz amarela nessa conjuntura”, avalia.
Missiato destaca que o atual cenário geopolítico revela uma reconfiguração das forças globais. “A Guerra Fria acabou em 1991, mas o jogo de poder entre potências continua. Hoje, temos a primeira potência oriental – a China – capaz de fazer frente às potências ocidentais. É o início de uma nova história da geopolítica”, explica.
Na avaliação do especialista, a nova corrida armamentista não começa agora, mas com a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. A guerra na Europa teve reflexos em outras regiões, influenciando o papel da Turquia, os interesses chineses em Taiwan e a percepção de ameaça nos Estados Unidos e na União Europeia.
“Esses últimos eventos apenas elevam o tom das ameaças, num momento em que o fim da guerra não ocorreu no tempo esperado por Trump após a reunião com Putin”, analisa.
Missiato também lembra que o protagonismo dos Estados Unidos na arena internacional se consolidou após a Segunda Guerra Mundial e segue influente. “Washington esteve envolvido, direta ou indiretamente, nos principais conflitos regionais desde então. Esse papel começou antes da Guerra Fria e ainda se mantém presente”, conclui.
Fonte: Metrópoles

 
			
 
			 
                                 
                             
 
		 
		 
		 
		