Ainda falando sobre a pandemia, como forma de conter o avanço, muitos governadores decretaram o isolamento social rígido, ou como tem sido comumente chamado “Lockdown”.
Diferentemente do ano passado, o Lockdown desse ano, em todo o país, não veio, ainda, acompanhado de auxílios para trabalhadores informais, muito menos para pequenos e microempreendedores. A situação é desesperadora quando alguns empresários tem que decidir se demitem funcionários para continuar a operação ou se fecham as portas, levando todos ao fim da linha.
Em vários estados e inclusive aqui no Amapá houve manifestações de pessoas contra o Lockdown, alegando que “qualquer atividade que põe comida na mesa é essencial.” O mérito dessa questão deixarei para outro momento, mas permitam-me fazer uma analogia ao setor agrícola do Amapá.
Ao ver as reportagens dos protestos, amigos leitores, não tive como não lembrar do que já vi e ouvi de homens e mulheres de mãos calejadas. Ao ver o homem da cidade brigando para trabalhar, me veio a mente os inúmeros entraves e as burocracias que tem atrapalhado o produtor rural.
O homem da cidade tem descoberto agora, somente agora, com o Lockdown, o quanto é ruim querer trabalhar, desejar produzir e não conseguir. Posso afirmar a vocês, categoricamente, que o trabalhador do campo já vive em um Lockdown há muitos anos e sem nenhuma pandemia justificável para tal.
Já vive em um Lockdown o agricultor familiar que tem dificuldade em ter suas terras, lutando contra a morosidade do Incra, em uma promessa constitucional de reforma agrária que nunca aconteceu plenamente.
Já vive em um Lockdown o pequeno produtor que paga para trabalhar. Já vive em Lockdown o empresário do agronegócio que acreditou na promessa de um Amapá Produtivo e não consegue suas licenças e está sob ameaça, a contragosto, de sair do nosso estado por não conseguir manter a produção sem incentivos e financiamentos.
O Lockdown do campo já é uma realidade que existe há muito tempo. Sei que você pode imaginar que estou escrevendo apenas pelos grandes, mas pode ter certeza que não. São desafios comuns de grandes, pequenos e até mesmo dos assentados. Já vivem em Lockdown aqueles que são colocados relegados em um espaço sem nenhum tipo de infraestrutura.
A equação é muito simples e para torná-la ainda mais didática, usarei de palavras que fazem parte, infelizmente, de um passado e presente próximo do Amapá: O Lockdown do campo gera um APAGÃO produtivo.
E o argumento da essencialidade? Na lógica daquilo que põe a comida na mesa, não há nada mais essencial do que o trabalhador do campo, seja grande ou pequeno. É o essencial do essencial. Essencialíssimo. Sem ele ninguém come. Mas nem por isso conseguimos criar um ambiente de apoio popular para a agricultura. Nem por isso conseguimos ir a frente dos palácios, dos órgãos, dos tribunais, fazer com que a voz rouca da enxada, do ancinho ou das máquinas chame à atenção.
O homem da cidade rápido se organiza e consegue fazer sua voz ser ouvida. Infelizmente o homem do campo está relegado a um isolamento sócio-econômico-cultural que parece ser eterno.
Não bastasse já o caótico quadro que tenho mostrado a vocês desde semana passada, foi agora desferido contra o Amapá o golpe fatal dado pelas penas do Ministro Fux, o cancelamento das autorizações provisórias de produção de grãos no Amapá. Tal medida pode, com toda certeza, causar danos irreversíveis ao nosso estado, atrasando em décadas o desenvolvimento do nosso setor produtivo.
Estudos apontam que, na esteira dessa liminar concedida pelo ministro, a área plantada de grãos no Amapá deve despencar dos 21.000 hectares praticados em 2020 para apenas 5.000 hectares em 2021, uma redução de 76%.
Muito mais razoável havia sido a decisão do Tribunal do Justiça do Amapá que permitira a plantação no primeiro semestre de 2021 até que o Governo do Estado regularizasse a situação daqueles que possuíam a antiga LAU – Licença Ambiental Única, declarada inconstitucional na ADI 5475AP.
Agora, cá estamos, meus amigos. Meu desejo é que essas poucas linhas te façam sentir empatia pelo homem do campo e pelos produtores. Cada grito de liberdade na cidade é apenas um eco de gritos que são gritados há muito tempo no campo de nosso Amapá. É preciso agir! Urgente! O povo tem pressa. O povo tem fome. O Amapá precisa desenvolver.
Eider Pena foi deputado estadual por 16 anos e Diretor do Porto de Santana (2015-2016). Atualmente dedica-se à produção no campo amapaense