Adoro os ditados populares. Dizem tanto, com tão poucas palavras.
Encerram a sabedoria do povo, carregam a história em breves sentenças e sobrevivem, passadas de boca em boca, geração após geração.
Alguns são emblemáticos, profundamente filosóficos e sábios, como “antes só do que mal acompanhado”, “as aparências enganam”, “cada um sabe onde o sapato aperta”, “nem tudo o que reluz é ouro” e “diga-me com quem andas e te direi quem és”.
Um dos mais interessantes diz respeito à nossa tendência a falar demais: “em boca fechada não entra mosca”, que parece se completar em significado com o que fala em “boca de siri”.
Nestes tempos tão peculiares, em que todos querem falar ao mesmo tempo, sobre tudo e com manifestações superficiais atraindo milhões de curtidas enquanto – sinal dos tempos – são menos badalados os artigos mais profundos, os textos de especialistas e estudiosos e os livros mais densos. De repente, tudo ficou rápido e para consumo imediato, envelhecendo em semanas, dias ou horas, deixando um rastro vazio e sem brilho entre o breve existir e a ausência de significado.
Curioso, pois as lesmas e caracóis continuam a se locomover vagarosamente e a deixar a sua marca viscosa e brilhante, como sempre o fizeram. Metáfora curiosa e bastante hábil a nos fazer representar a ideia de que estamos acelerados demais e que tudo vem perdendo sentido, nesse vazio que só aumenta e suga muito – ou tudo – à sua volta.
Eis que, em meio a tantas ocorrências neste mundão, fala em especial despertou a atenção de muitos e meio que fez levantar defunto, girando em torno da comparação entre guerra contemporânea e o propósito nazista, de cerca de 100 anos atrás.
As palavras têm poder e a sua estatura não está no momento em que são faladas. O que importa, mesmo, é como são recebidas e, principalmente, compreendidas – pois é nesse momento que justificam a sua existência, senão seriam palavras ao vento.
Não falamos para nós, não cantamos para nós e não recitamos poesia para nós. Falamos, cantamos e lemos poemas para que as vibrações sonoras que emitimos viajem pelo ar e cheguem aos ouvidos alheios. Se sabemos que falamos, cantamos e recitamos poemas para outros, temos que cuidar do que emitimos, para que nossas emissões sonoras sejam úteis e importantes.
Temos a nossa integridade, gosto, afinidade, a nossa personalidade tão duramente forjada desde o berço, nesse mundo nem sempre cortês e temos, a cada segundo, menos tempo a desperdiçar com coisas sem sentido.
Desse caldo, tão resumidamente considerado, podemos concluir que o desejável é que falemos o que sabemos, professemos publicamente o que dominamos, manifestemos o nosso querer com determinação, a nossa coragem com firmeza e o nosso amor com paixão. Do outro lado do ringue, o ouvinte verá legitimidade na lição ensinada, veracidade no discurso e reconhecerá na fala o desejo de colocar em prática o que se vai em mente. Assim, valorizará o corajoso Dom Quixote que se lança por empreitadas nem sempre corteses, sentindo que tudo aquilo se qualifica com a altruísta emoção envolvida e a dedicada entrega à causa.
Sem isso, o nada da vida de plástico imperaria e essa vazia existência encerraria os shakespearianos sonhos e desígnios da humanidade.
Detalhe interessante é que temos sido motivados a falar, falar e falar. A mais falar do que escrever. A mais improvisar pela fala do que a amadurecer cada palavra. Outrora, as palavras eram mastigadas e ensaiadas, antes de ser jogadas no ar em forma de fonemas. Pensávamos no que falávamos e cultuávamos o que falávamos. Era o tempo dos grandes oradores, com voz empostada, postura e compostura na tribuna ou em qualquer lugar onde o lugar da fala lhes desse a posição de centro da atenção. Ali, assim, cada palavra tinha o seu tempo de maturação, cada sílaba ecoava no recinto ou era levada pelos ventos. Cada palavra era lançada, cultuada, valorizada e ecoava entre os presentes.
Oradores, assim, a história registra, como Péricles e Demóstenes, na Antiguidade. Aqui, há tempos, com Joaquim Nabuco. Mais recentemente, depois da invenção dos métodos de gravação e reprodução do som (e, também, das filmagens), por motivos diferentes se destacaram vários oradores. De dois falaremos, brevemente, concordando ou não com o conteúdo do dito, mas reconhecendo o dom da atração das suas eloquentes falas: Lacerda e Churchill.
Na internet, hoje, é fácil acessar antigos discursos e ouvir as próprias vozes de cada orador, com os seus timbres e tons, ritmo de fala, as variações durante as falas, para valorizar partes dos discursos, o bom uso da linguagem e dos tempos e concordâncias verbais, a veemência, a eloquência, a cadência e o domínio do que diziam. Lacerda era seguro, ousado, firme e, com boa entonação e domínio pleno do lugar da fala, sabia causar explosivas reações nos seus ouvintes. Provocador e corajoso, discursava no Congresso, em 1953, quando falava do governo e disse “prometeu a carne a seis cruzeiros e, depois, como não podia dá-la a seis cruzeiros, comeu-a” (https://www.youtube.com/watch?v=7l096bRgwBo; passagem iniciada em 20m22s)…
Churchill tinha outras características: não tinha a voz aveludada ou o timbre majestoso, mas tinha a verdade, a coragem, a legitimidade e a segurança de quem estava no lugar certo, na hora certa e com a missão da sua vida, para a qual se entregou e da qual se saiu vitorioso, tendo reunido a Inglaterra em defesa da sua terra e do seu povo, contra as forças nazistas e, dono de uma escrita majestosa, escorreita, assertiva, fluente e eloquente, produziu textos brilhantes, com os quais sabia hipnotizar e cativar a todos, permitindo-lhe criar alguns dos discursos mais admiráveis, com frases como: “só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor” e “lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos”.
Falamos nisso para enaltecer o fato de que tais falas não alimentavam o que hoje se chama de “fake news” e por serem discursos com a estatura política dos seus donos. Particularmente, o tempo de Churchill era de tão severo céu que dele caiam bombas incendiárias sobre Londres! Não havia tempo para brincadeiras ou improvisos por quem quer que fosse ou para se desprezar cada palavra dita por aquela voz que bradava no Parlamento Inglês ou que, apenas, entre quase sussurros, quase confessional, transbordava pelos alto-falantes dos rádios, nas residências e comércios ingleses.
Hoje, parece que mais se fala do que se escuta, mais se escreve do que se lê, mais se ensina do que se aprende e mais se futiliza do que se trata de coisas sérias e altaneiras. Sinal dos tempos.
Também parece que menos nos preocupamos, portanto, com o que dissemos e tanto e a tal ponto, que talvez não obremos para evitar que moscas entrem em nossas bocas, como nos fazia pensar antigo ditado. Aliás, não surpreende que, por vezes, haja tantas moscas alvoroçadas…
Por falar em ditados, há um que diz que “o diabo não é tão feio quanto se pinta”, que pode nos levar a pensar que nem tudo é mau e que nem todo mau é tão ruim quanto parece. Maravilhoso. Contudo, como o tempo muda os sentidos do que já correu mundo, a frase também poderia ser combinada com outro ditado, este mais dos nossos dias, que diz que “nada é tão ruim que não possa piorar”, nos permitindo concluir que não ser “tão feio quanto se pinta” poderia nos levar a pensar que poderia ser mais, muito mais e ainda mais até do que se poderia imaginar e ser capaz de retratar.
Da nossa parte – por inspiração mais inocente ou otimista – gostamos do ditado “após a tempestade vem a bonança”, ainda melhor sob a inspirada caneta de Mário Quintana, quando sentenciou “eles passarão, eu passarinho”. Aliás, aqui tem chovido muito, mas logo deve fazer sol.