A China proibiu uma executiva estrangeira da empresa de serviços financeiros Wells Fargo e um funcionário do governo dos Estados Unidos de deixarem o país, expondo o sistema judicial e de segurança obscuro e reacendendo preocupações sobre os riscos enfrentados por empresas e estrangeiros que operam no território chinês.
Proibições de saída são uma prática comum empregada pelas autoridades chinesas para impedir que indivíduos sob suspeita deixem o país – às vezes por motivos legítimos, mas outras vezes por razões políticas, segundo especialistas.
As proibições mais recentes ocorrem em um momento em que a segunda maior economia do mundo busca atrair investimentos estrangeiros e introduzir novas incertezas nas negociações comerciais com os EUA, que estão em andamento, antes do prazo final para a imposição de tarifas no dia 12 de agosto.
Quais são as últimas atualizações sobre o caso?
O Ministério das Relações Exteriores da China confirmou na segunda-feira (21) a proibição de saída imposta da funcionária do Wells Fargo, Mao Chenyue, afirmando que ela estava “envolvida em um caso criminal” e é obrigada a cooperar com a investigação, sem fornecer mais detalhes.
Enquanto isso, o Departamento de Estado dos EUA também informou que a China impediu um funcionário do Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos, subordinado ao Departamento de Comércio, de deixar o país.
Um porta-voz do Departamento de Estado disse que “não tem prioridade maior do que a segurança dos cidadãos americanos”.
“Estamos acompanhando este caso de perto e em contato com as autoridades chinesas para resolver a situação o mais rápido possível”, disse o porta-voz.
O jornal The New York Times noticiou, citando um documento do Departamento de Estado, que o funcionário do Departamento de Comércio está impedido de deixar o país desde meados de abril, além de ser questionado principalmente sobre sua experiência no Exército dos EUA.
O Departamento de Estado não divulgou a identidade do funcionário americano que enfrenta a proibição de saída.
Questionado sobre a executiva do Wells Fargo proibida de deixar a China, o porta-voz do Departamento de Estado disse: “Devido à privacidade e outras considerações, não temos mais comentários neste momento”.
A Embaixada dos EUA na China afirmou ter manifestado preocupação às autoridades chinesas sobre o “impacto que as proibições arbitrárias de saída têm em nossas relações bilaterais”.
“O governo chinês, por muitos anos, impôs proibições de saída a americanos e outros estrangeiros na China, muitas vezes sem um processo claro e transparente de resolução”, disse um porta-voz da embaixada.
Para que serve a proibição de saída da China?
James Zimmerman, advogado em Pequim e ex-presidente da Câmara de Comércio Americana na China, disse que o uso de proibições de saída pelo governo “não é novidade” e que elas têm sido frequentemente utilizadas em investigações para impedir que testemunhas ou suspeitos considerados como risco de fuga deixem a China.
“Na maioria das vezes, existe uma base legal legítima para a proibição de saída, embora existam casos de uso indevido do processo por autoridades governamentais, inclusive por motivos políticos”, disse Zimmerman.
Embora existam procedimentos para uma proibição de saída, o advogado acrescentou, “a falta de transparência e a ausência de um sistema de fiança viável tornam o levantamento de uma proibição de saída um processo demorado e desafiador”.
A China não divulga o número de pessoas sujeitas a proibições de saída, embora a prática tenha sido empregada contra moradores locais com muito mais frequência do que contra estrangeiros. Muitos advogados de direitos humanos, ativistas e suas famílias foram submetidos a tais restrições.
No ano passado, a Fundação Dui Hua, uma organização de direitos humanos, estimou que mais de 30 americanos estavam sujeitos a proibições de saída do país.
Quem está sujeito a proibições de saída da China?
Além de apontar pessoas em investigações criminais, Pequim impôs proibições de saída a pessoas que não estão diretamente envolvidas nos processos judiciais.
Já em 2019, os EUA emitiram um alerta de viagem induzindo os americanos a “exercerem maior cautela” ao viajar para a China devido ao uso “coercitivo” de proibições de saída.
O alerta afirma que as restrições são usadas para “obrigar cidadãos americanos a participar de investigações do governo chinês, atrair indivíduos do exterior de volta à China e auxiliar as autoridades chinesas na resolução de disputas civis em favor das partes chinesas”.
Em um exemplo notável, em 2018, a China impediu Victor e Cynthia Liu, dois americanos de 19 e 27 anos na época, de deixar o país para pressionar o pai.
Liu Changming, um fugitivo chinês notório deveria retornar para o país, onde era procurado por crimes financeiros. Somente três anos depois, eles foram autorizados a retornar para casa.
Zimmerman também observou que estrangeiros que trabalham com SOEs (empresas estatais chinesas, na sigla em inglês) também podem estar sujeitos a proibições de saída.
A Comissão Central de Inspeção Disciplinar, a principal agência anticorrupção do Partido Comunista, iniciou mais investigações nos últimos anos e utilizou proibições de saída para forçar estrangeiros a auxiliar em investigações contra funcionários do governo e SOEs, afirmou.
“Estrangeiros que mantêm relações comerciais extensas com SOEs devem ser cautelosos, especialmente se descobrirem que as SOEs com as quais mantêm relações são alvo de investigações”, disse ele.
China amplia proibições de saída e alega segurança nacional
A China aprovou ou alterou uma série de leis nos últimos anos para ampliar o interesse do uso de proibições de saída, especialmente por motivos de segurança nacional.
Em 2023, o país alterou a já extensa lei de contraespionagem, permitindo proibições de saída para chineses e estrangeiros sob investigação, caso sejam considerados um potencial risco à segurança nacional após deixarem o país.
Um relatório de 2023 sobre a expansão do uso de proibições de saída pela China, elaborado pela Safeguard Defenders, uma organização de direitos humanos, estimou que milhares de pessoas na China são colocadas sob proibições de saída a qualquer momento.
Isso não inclui os milhões de tibetanos, ou uigures na região de Xinjiang, no noroeste da China, que há muito tempo são alvo de proibições de saída com base em etnia, principalmente por meio da confiscação e da recusa de passaportes, afirmou o relatório.
Além da emenda à lei de contraespionagem, Pequim expandiu nos últimos anos o interesse do aparato de segurança nacional por meio de uma legislação abrangente, concedendo às autoridades poderes mais amplos para escrutinar cidadãos e organizações estrangeiras.
Além disso, algumas dessas leis têm atraído membros da comunidade empresarial.
Na semana passada, um tribunal de Pequim condenou um executivo japonês da empresa farmacêutica Astellas Pharma, sediada em Tóquio, a mais de três anos de prisão por espionagem. O executivo está detido na China desde 2023.
A Embaixada do Japão em Pequim informou que a sentença de prisão proferida ao japonês é “profundamente lamentável”, já que o país tem solicitado repetidamente as autoridades chinesas a libertá-lo por meio de diversos canais, incluindo os de líderes e ministros das Relações Exteriores.
“A detenção de cidadãos japoneses na China é um dos maiores obstáculos para a melhoria das relações interpessoais e do sentimento público entre o Japão e a China”, afirmou a Embaixada.
Quais são as implicações das proibições de saída da China?
Um empresário americano em Pequim disse, em anonimato, que a preocupação aumenta entre a comunidade empresarial estrangeira sempre que uma proibição de saída ou detenção de um estrangeiro é anunciada, e que há preocupações ainda maiores para aqueles que viajam à China para viagens de negócios de curta duração.
“A negação das detenções pelo Ministério das Relações Exteriores ou a falta de clareza sobre o motivo da detenção das pessoas só pioram a situação. E, mais importante, se as pessoas tiverem medo de visitar a China, o investimento cairá”, disse o empresário.
William Yang, analista sênior da organização sem fins lucrativos International Crisis Group, observou que empresas de países como o Japão, cujos cidadãos foram detidos arbitrariamente pelas autoridades chinesas sob acusação de espionagem, já reduziram o número de funcionários baseados na China.
“Em um momento em que a China tenta aumentar a confiança dos investidores estrangeiros no país, esses desenvolvimentos seriam contraproducentes para esse objetivo”, disse Yang.
Para o primeiro semestre de 2025, o Ministério do Comércio da China relatou uma queda de 15,2% no investimento estrangeiro no país, em comparação com o mesmo período do ano passado, enquanto o país continua a lidar com uma série de desafios econômicos.
Joe Mazur, analista sênior da Trivium China, empresa de pesquisa e consultoria, afirmou que o uso de proibições de saída e a falta de clareza em casos específicos deixarão as empresas estrangeiras extremamente receosas em enviar funcionários para a China, prejudicando a confiança geral dos empresários.
“A falta de confiança na imparcialidade e no devido processo legal proporcionados pelo sistema jurídico chinês tende a ofuscar qualquer tipo de justificativa que o lado chinês possa apresentar sobre a base legal para as proibições de saída”, afirmou Mazur.
Mas Mazur afirmou que é improvável que o desenvolvimento reverta as medidas positivas que os EUA e a China tomaram nas últimas semanas para reduzir a guerra comercial.
“Dado o que está em jogo na relação comercial EUA-China, duvido que os EUA permitam que esses casos de proibição de saída atrapalhem o ligeiro derretimento que vimos nas relações EUA-China nas últimas semanas”, disse Mazur.
Ainda assim, Yang acredita que as proibições impostas aos dois cidadãos americanos lançam uma sombra sobre os desenvolvimentos mais positivos nas relações entre os dois países, enquanto tentam organizar uma potencial cúpula de líderes e chegar a um acordo comercial permanente.
“Esses casos podem tornar mais complicado para a China e os EUA negociarem os termos e condições corretos para o possível encontro entre Xi Jinping e Trump na China, que o governo dos EUA parece estar priorizando”, disse o analista.
Fonte: CNN Brasil