Alguma dúvida sobre o futuro?
Se temos dúvidas sobre fatos passados, o que dirá em relação ao futuro.
Não estamos falando deste ou do próximo governo, pois a indagação envolve muito mais do que isso. Cremos que haverá menos pessoas com certezas do que com dúvidas e esse é o foco, aqui.
Alguém tem dúvidas sobre o futuro do mundo, tal qual conhecemos?
Víamos os EUA como país capitalista, no qual reinaria a liberdade do mercado. No entanto, em idos de 2.008, na crise que lá se abateu, o governo destinou cerca de 17 bilhões de dólares (mais de 85 bilhões de reais, hoje) para salvar montadoras de automóveis, numa ação que, para alguns, soou como prática intervencionista e mais próxima ao socialismo.
Do outro lado do Globo, a China comunista adotou práticas capitalistas na economia externa e, em pouco tempo, já tem quase tantos bilionários quanto os EUA, devendo ser o país com mais bilionários do mundo, em 2.030. Isso não é contraditório num regime comunista?
João Goulart foi criticado por ter visitado a China, em 1.961, quando era vice-presidente do Brasil.
Hoje, alguém seria chamado de comunista por visitar a China ou negociar com aquele país?
Países que muito desmataram as suas florestas estão, agora, com ações contra o desmatamento em outras Nações.
Alguns veem o agronegócio como vilão, embora dele dependam para comer. Como vamos ter carne e vegetais para alimentar a crescente população mundial se a produção diminuir?
Perguntas diretas acabam se perdendo em labirintos, com respostas com frases tortas, muitas das vezes iniciadas com expressões como “depende, veja bem, tipo assim” e outras tantas, com significados afins.
Dizer sim ou não parece menos do que rebuscada resposta, onde o talvez seja a tônica.
Ser assertivo parece ser algo démodé.
No entanto, nos recomendam mais assertividade, quando precisamos melhorar a comunicação.
A busca por excelência e melhores resultados profissionais parece ser vista como soberba ou desperdício do tempo que poderia estar sendo dedicado ao lazer…
Já o dolce far niente, que pode ser traduzido pelo prazer do ócio relaxante, parece que veio para ficar…
Este ócio, tão exibido nas redes sociais, como projeção de sucesso e riqueza, significa a imagem que contradiz a própria essência da prazerosa e relaxante ociosidade, do lazer extremado e do tempo de nada se fazer, na medida em que a mente e o corpo acabam não cumprindo a plenitude daqueles momentos, gastando energia para fazer fotos, selfies e selecionar as imagens em ajustes, nos celulares, para postagens em busca de curtidas…
O mundo sempre esteve em mudança.
A humanidade evoluiu e modificou muito o Planeta em que vive. Estamos em meio a transformações mais aceleradas, nos últimos 150 anos. Da invenção da lâmpada aos computadores e foguetes, levamos menos tempo do que em vários outros processos criativos.
A globalização econômica e política, das últimas décadas, se transforma em globalismo e em sistemas mundiais de controle e gestão internacional, com formação e consolidação de forças de domínio regional ou global.
Intenções mercantis se transformaram em influência geopolítica e militar, hábeis a impor interesses sobre governos e mercados, rompendo barreiras soberanas e ditando regras de adesão, capazes de levar outros a se unir ao interesse comum ou a romper os elos e se sectarizar em elementos contraditórios.
Parte disso, vimos nos fundamentos de ações envolvendo a Criméia e a Ucrânia, entre a Europa e a Rússia (ou antiga URSS), bem como nas bases da chamada Primavera Árabe e nas passeatas que ocorreram no Brasil.
Antes buscávamos os jornais como fonte de segura informação – aliás, folheando-os de ponta a ponta e lendo as notícias, por inteiro.
Hoje, parece que as seguras fontes não importam mais.
O que mais se vê é a divulgação, em redes sociais e aplicativos de celular, de prints de capas de jornal, sem o conteúdo da matéria; de frases curtas como slogan de propaganda, sem as “letras miúdas” que fazem tanto a diferença para se entender o contexto; de tantas mensagens compartilhadas como ser fossem verdadeiras, que até as mensagens verdadeiras perdem credibilidade.
Aliás, temos estado tão carentes da autenticidade e essência, que parece que pouco importa se há ou não verdade em alguma coisa, na medida em que não se busca as motivações, a leitura contextualizada, os fundamentos dos fatos e consequências.
Parece que já é o suficiente apenas saber um pouco ou quase nada sobre algo.
Diálogos e pensamentos críticos têm se reduzido ou se transformado em discussões acaloradas ou em cancelamentos nas redes sociais – que devem ser o equivalente moderno aos duelos armados de outrora. Há diferenças, decerto, pois, no passado, os duelos levariam ao falecimento de um dos oponentes, embora a morte, nas redes, deva ter o mesmo efeito, para muitos.
Nos livros e filmes, ao menos, havia poesia e licença emocional nas cenas das viúvas daqueles mortos em duelos, do amor que levou Romeu e Julieta e do imortalizado “ser ou não ser” de Hamlet.
Havia tempo de luto, tempo de sorrir, tempo de chorar, tempo de viver.
Hoje nos sobra tempo e, paradoxo, as coisas estão tão fugazes que ninguém se lembra de ontem.
O luto se encurtou, amizades soam superficiais, plásticas e práticas outras transformam corpos, relações duradouras cedem lugar à fila que anda e a atenção a quem fala foi trocada pela cara de paisagem.
Trabalhamos menos, curtimos mais – nem todos, claro.
Há, no entanto, quem só queira curtir o agora, o momento, o hoje, sem se importar com nada, com consequências, com valores, com qualquer coisa ou com alguém.
Há quem apenas queira… Mas querer não é poder – como dizia minha avó.
Sem perceber, nos perdemos…
A sociedade trocou o “ser ou não ser”, de Shakespeare (através de Hamlet), e do “penso, logo existo”, de René Descartes, pelo quero, então faça minha vontade.
Só que, como essa vontade é passageira, momentânea e ocasional, não deixará nada para o amanhã, quando nada será.
O momento passa. A vida passa. Tudo passa e, como passageiros nesse trem do tempo, somos levados a uma estação onde, inevitavelmente, teremos de desembarcar e andar com os próprios pés, pensamentos e razão.
Por ora, tudo pode. Hoje, oba! Amanhã, quem sabe?
Vai que o amanhã nem chegue e, por isso, melhor não confirmar, nem negar, muito pelo contrário. E, assim, vamos … Até onde?