O título deste artigo tem a força de quem sobreviveu ao holocausto. Está grafada para a eternidade, pela escrita de Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz, tenebroso campo de concentração da Alemanha nazista.
A frase pode ser vista além do contexto dos fatos, advertindo a humanidade de que não se deve calar a voz e a opinião alheia.
Infelizmente, quando o ser humano se desumaniza, é capaz de fazê-lo com requintes de crueldade e de frieza, sendo capaz de chocar a qualquer pessoa com empatia. O ocorrido no contexto da Segunda Guerra não encontra parâmetros de comparação, no mundo conhecido.
Os animais podem ser ferozes, aos nossos olhos. Contudo, só o ser humano pode ser desumano e, naquela época, não faltaram exemplos do extremo de desumanidade.
Se agora a imagem substitui os textos mais elaborados e os aplicativos de celular parecem comandar uma cruzada por imagens coloridas e belas, de felicidade aparente, poses programadas e coisas efêmeras, talvez soe fora de moda falar do passado e, notadamente, daquele episódio, que ainda hoje nos impacta.
Talvez devamos falar, exatamente, como contraponto a essa superficialidade que os aplicativos de celular nos fizeram mergulhar.
O mundo não é essa fantasia e as coisas ruins e pesadas continuam ocorrendo, em todo lugar. Temos a sensação de que o mundo ficou melhor com a Internet, com tantas fotos de viagens, praias, jantares e comida postadas nas redes.
E o mundo real? E os pratos vazios, as noites no chão, o frio cortante e a miséria reinante, os migrantes em busca de paz e uma vida, deixando as cenas de morte para trás…
Mais do que conceitos e explicações e muito além da história, nas palavras que abrem este artigo, Primo Levi nos cobra a não esquecer e não calar, advertindo-nos de que, “se calarmos, quem falará?”.
Assusta que a adesão àquelas ideias tenham ultrapassado o continente europeu, levando à ocorrência de eventos de adesão à doutrina em outros países do mundo, inclusive nos Estados Unidos da América, onde mais de 20.000 pessoas se reuniram no Madison Square Garden, em Nova York, em 20 de fevereiro de 1939 – como registra a imprensa. Soa quase inacreditável que tantas pessoas tenham feito aquelas saudações típicas, em Nova York!
Ondas políticas, modismos, necessidade de pertencimento a um grupo, movimento de massas, ou seja, o que for que se utilize para se tentar entender e explicar certos acontecimentos, a verdade é que nem sempre temos a mesma régua para medir tudo o que acontece.
O tempo nos molda, os costumes nos influenciam, a necessidade de aceitação nos impulsiona e a nossa hesitante individualidade nos faz mutantes…
Como explica Hanna Arendt, o totalitarismo produz a neutralização dos discursos de oposição, manipulando as massas e anulando a espontaneidade humana.
Sem essa espontânea gestação de pensamentos e ideias, é crível que a liberdade de pensamento e de opinião é erodida na sua gestação e, assim, na sua capacidade de produzir senso crítico e transformação.
O medo do terror, em todas as praças, em todos os cenários totalitários, levou ao engessamento de muitos e contribuiu para o afastamento de outros, garantindo hegemonia ao discurso único e suas práticas totalitárias. Isso ocorreu após a Revolução Russa, a Revolução Cubana, na China de Mao e em outros teatros políticos, onde a opinião alheia precisava ser calada.
Quando um foi silenciado e outro também, esse peso emocional se ligou ao silêncio do outro e, assim, sucessivamente, até que o coletivo estivesse submisso, domado, assustado a tal ponto que não olhasse nem mais por si e muito menos pela individualidade.
Cada ação produz uma reação. Essa regra da física também se espraia no campo político. Sem ação, não há reação e, sem esta, há submissão.
No passado, jornais foram invadidos e as rotativas impedidas de imprimir os jornais. Hoje se fala em controle da internet e da liberdade de matérias que circulam. Bom lembrar que há países onde não há essa facilidade de acesso às notícias, à imprensa livre, inclusive com sites proibidos de ser acessados.
Nem sempre é bom para o povo o que se diz ser feito em nome do bem comum.
Pequenos atos, aparentes inocentes gestos e conceitualmente um quase nada em perda ou prejuízo, quando somados, podem representar uma avalanche sem controle.
As consequências são certas e estão latentes, aguardando apenas a oportunidade para nos mostrar os erros e as coisas que criamos, com o nosso silêncio, a nossa hesitação, a nossa omissão e a nossa visão de que não nos diz respeito as coisas que ocorrem com os outros.
Pior de tudo, quando os gritos são oprimidos e as opiniões são proibidas de ser emitidas… A sociedade, estruturada como tal, traz no coletivo o seu bem estar. Com isso, quando ferida está a lógica social, cada indivíduo fica vulnerável. Nesse momento, rasga-se o tecido social e todas as idiossincrasias despertam e, somadas, fazem com que a Caixa de Pandora se abra…
É aí que tudo é possível: do avanço social e do progresso coletivo ao fiasco, ao fracasso e à derrocada dos valores, com o naufrágio da embarcação.
Até parece que as lições não foram aprendidas, que os teóricos foram esquecidos e que as experiências foram desprezadas, pois práticas afins continuam ocorrendo, com acontecimentos atrozes sendo encobertos por mantos que, da democracia, só tem a aparência… Entre o discurso e a ação, esta prevalece na demonstração da realidade.
Seja qual for o resultado, mais do que aspectos individuais, é o coletivo que sente quando a água da enxurrada arrasta tudo pela frente. Não sobra pedra sobre pedra…
Quando o pior acontece no seio social, não é raro que se observe, ao longe, a imagem de uma pessoa, sozinha, sentada, cabelos ao vento, olhando para o horizonte eterno, colocando uma pena sobre uma pedra, a simbolizar a liberdade e a esperança por tempos melhores.
Não se pode calar. Se nos calarmos, quem falará?
