O clima estava ameno e de repente, eu o vi sentar ao meu lado naquele banco solitário da praça que sempre espera por alguém e suas histórias. Ele se sentou e com o olhar fixo a sua frente falou em um tom um pouco baixo:
- Não temos o poder de mandar no coração de ninguém, essa terra pela qual não podemos passear ou até mesmo de lá estarmos em um local de majestade.
Olhei para o lado e percebi que ali sentara um homem de meia idade procurando um ouvido para os seus lamentos, ou alguém que lhe desse atenção, algo que ficou bem claro que faltava no cotidiano dele. Naquele momento, passei, rapidamente, a refletir muito sobre quem eu sou, o que eu represento e qual é o meu lugar no universo.
Ele, fitando o horizonte, continuou dizendo: - Há momentos que não me sinto mais tão importante, mas o meu trabalho, o meu tempo e as coisas que eu faço, mostram-me o que eu represento ou o que eu passei a representar para algumas pessoas. Eu me sinto sozinho e longe de mim mesmo às vezes. Tantas interrogações me vem à mente, umas com respostas e outras sem. Então percebo que coração do outro é terra que ninguém anda, ou uma estrada por onde não caminhamos.
Olhei para aquele homem que muito me fez recordar Forest Gump e resolvi dar mais atenção às suas súplicas e a ele mesmo, pois eu percebi que muito ele tinha a dizer ou a ensinar. Um ser com semblante sério que nem se quer olhava para o lado para ver quem o estava escutando.
Ele continuou dizendo: - Aprendi que o meu tesouro sou eu dentro da minha própria existência, pois o ser humano é um ser que possui toda a responsabilidade por meio de suas ações. Assim, ele cria ao longo de sua vida um sentido para o seu próprio existir…
Desta forma, sigo fazendo escolhas na vida e traçando caminhos e planos. Faço isso sabendo que toda escolha implicará numa perda ou em várias, dentre muitas possibilidades que nos são postas, pois percebo que a liberdade de escolha é o elemento gerador, no qual ninguém e nem nada pode ser responsável pelos encaminhamentos da vida. Os indivíduos são seres “para-si”, livres e plenamente responsáveis.
Eu fiquei atônito com o que eu tinha acabado de ouvir. Não tive dúvidas, naquele instante, que aquele homem se tratava de alguém que conhecia ou conversava muito com Jean-Paul Sartre, o filósofo francês representante do existencialismo. Então passei a me interessar mais pelo seu desabafo ou lição de vida.
Então, ele olhou-me e disse: - Suplico que me ouças, pois sei para quem estou falando, não sei como eu sei, mas eu sei. Saiba que o amor é a parte mais importante da existência humana e é por ele que me sento hoje neste banco para dizer o que, há algum tempo, eu deveria e não disse, e não mais a terei para dizer.
Ele voltou a fitar o horizonte, lagrimando e olhando frisando os olhos, disse: - Como eu queria poder me deitar e descansar sobre o chão das tuas palavras. Gostaria que elas fossem os teus braços, o teu corpo para eu fazer delas o meu abrigo, a minha cama, a minha carne. Como meu peito palpita sob os escombros de tua falta que tanto eu sinto. Assim como a saudade, este passado sempre presente em nosso presente e que nos visita sempre e nos transporta a um tempo que sempre gostaríamos de tê-lo de volta.
- Eu vou como um beija-flor pairando nos ares das dúvidas e incertezas de quando as terei e as lerei novamente. O meu psicólogo tempo está de férias, o meu espelho já não reflete mais a imagem que outrora refletia do meu Eu, e a falta desse reflexo leva embora este amigo que anda sempre dentro de nós e que por muitas vezes nos acolhe e nos afaga. Como eu posso falar comigo mesmo, se o meu Eu se afastou tanto de mim? Então, eu me inspiro em Leminski, eu me sento na pedra e paro para olhar o mar, mas ele não parou para ser olhado.
- Como eu queria despertar a saudade, saudade de tudo que tenho aqui guardado para dar. Queria ser eu, a cada dia, o despertar em teu pensamento como és nos meus. Eu sou como um livro deixado no canto da estante cheio de páginas escritas de mim e para muitos, e com outras em branco para serem escritas, pois há tanto para tal.
- Como gente, sou um texto repleto de sentidos e sentimentos, querendo ser lido ou posto para ser lido por olhos atentos às boas leituras, assim como são as cores e os traços para a arte e / ou a letra e a melodia são para a música.
Eu ouvi, atentamente, todas as suas palavras que por muito me ensinaram bastante e antes que ele me dissesse algo, olhei para ele e disse-lhe: - Eu farei um abrigo em mim e para mim. Me lerei e escutarei o silêncio, pois há nele tanto para ser ouvido, tanto para ser aprendido ou para ser escrito.
E na escuridão do dia, meu sorriso aparecerá como uma luz de um brilho infinito que se postará sobre mim como um holofote a iluminar os caminhos do meu Eu. Então, adentrarei a floresta de mim mesmo para domar minhas feras, feras vorazes que por serem domadas se aninham em meu peito e descansam sobre o meu coração.
Feras essas que já dilaceraram carnes e verbos, lábios e versos, que já me sussurraram em silêncio enquanto a lareira se consumia em fogo, e mesmo assim, eu sentia frio como assim existisse, em mim, um forte inverno.
Então eu me sentarei na pedra olhando o mar que por mim passará. E então, eu, em choro a encher este mar, me sento na pedra para vê-lo passar, assim como o tempo que passa e não espera por ninguém, mas que leva em seu colo lições que por vezes deixamos passar por nós, por não entendermos este ser chamado tempo, que há tempo nos dá tempo de sermos nós, de sermos felizes.
Ele se levantou, suspirou, apertou minha mão e disse: - Muito obrigado.
Caminhando, se despediu de mim e continuou a sua existência.
AAh, esses divãs expostos nas praças.
EM DEMASIA
Que durasse tanto, assim eu quisera
Todo esse amor, que encontrei um dia
Mesmo que de pouco em pouco, ele perdurasse
como também assim fosse, mesmo em demasia.
Se os braços do tempo, então me fartasse
De abraços e carinhos, eu mesmo diria
E se todo esse amor, em mim, perdurasse
Que fosse pouco a pouco, ou em demasiai.
Esperei, em mim, que a vida ressurgisse.
Domando o ego que não mais me consumia
Voei como um pássaro de voos insólitos
De pouco em pouco, ou mesmo em demasia.
Que perdurasse tanto, assim eu quisera
Este sol poente a abrilhantar o meu dia.
Que me venhas flores d’outras primaveras
Mesmo de pouco em pouco, ou em demasia.
(Jorge A. M. Maia)