Às vezes nos ambientes menos propícios para determinados acontecimentos é justamente lá que eles acontecem. Não é possível cogitar que num grupo criado para reencontros de velhos amigos, ligados pelo ar de esperança e sonhos da adolescência, haja – em plena pandemia – em encontro inesperado com a desesperança, pesadelos e conflitos, sobretudo quando todos já caminham para o inevitável fim. Essa é uma experiência real. O ambiente político no Brasil dividiu a nação, dividiu a família e dividiu os amigos. Há os que apoiam incondicionalmente as bizarrices do presidente e os que, no meio da pandemia, querem uma possibilidade de sobrevivência. Aqui há um liame vivo com o pensamento de Hobbes quando afirmou que “o homem é o lobo do homem” na sua obra Leviatã, a mais famosa de seus escritos.
Na verdade, a frase é de autoria de Plautus, dramaturgo romano, que a cunhou em sua comédia intitulada Asinaria. A peça ficou conhecida exatamente como A Comédia dos Burros ou Comédia do Asno, que bem se aplicaria aos tempos em que vivemos. Na atualidade, em qualquer roda que se entre, há de se aturar o debate insano entre apoiar ou reprovar o Presidente que teima em relativizar a pandemia, como se a solução do problema fosse uma questão de orientação ideológica ou política. O combate à pandemia exige sacrifícios de todos, indistintamente, e um trabalho árduo e permanente da ciência. O presidente, contudo, insiste em achar que as decisões de prefeitos e governadores baseadas na ciência, são atos políticos para tirá-lo do poder. Suas posições são ferrenhamente defendidas por seus seguidores que fazem disso um cavalo de batalha dos quais não abrem mão. Nesse cenário cria-se o ambiente da incivilidade, da digladiação rasteira, do embate cruel, cujas vítimas viram estatísticas horrorosas, na concretização da máxima de Hobbes de que “o homem é o lobo do próprio homem”.
Segundo Hobbes “como tendência geral de todos os homens, [há] um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte”. É exatamente essa dimensão horrível que vivemos. Em plena pandemia junto com a contabilidade dos mortos, há a divulgação dos números da preferência do eleitor na briga insana pelo poder político. Há um estado concomitante de comoção e de disputa acirrada pelo poder. Há uma perda lastimável de vidas, como há um passivo enorme de amizades que se esvaem pelos cotejos políticos. Os lobos estão em ação com seus dentes ferozes manchados de sangue.
Estamos vivendo numa pátria programada para a destruição, sem nenhum projeto de construção ou reconstrução, ambientada para a guerra civil, com a derrocada das instituições, sem qualquer contrato social, onde se pretende impor o pensamento único, num almejado triunfo pútrido da galhofa como orientação de “governo”. Como vencer essa fase negra, da comédia de asno referida por Plautus, é uma missão diária. Os nossos lobos estão sedentos de sangue e vão as ruas sem temer os perigos, fazem carreatas, ameaçam, pregam impeachment de seus adversários e querem a morte da democracia que vergonhosamente agoniza. Contra eles, chegou a nossa vez de fazer arminha!
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