É inaceitável deixar por dois anos um Estado inteiro a mercê de uma crise energética sem precedentes (Estado este que já enfrentou outra crise energética no início dos anos 1990 sofrendo por mais de 2 meses com um racionamento de 3 em 3 horas no fornecimento de energia elétrica). Não foi somente incompetência, há uma grande pitada de descaso, irresponsabilidade e corrupção no prato estragado servido aos amapaenses nos últimos 20 dias.
O problema é muito mais profundo e atinge, como sempre, todos os setores da Administração Pública brasileira, onde há uma gama de políticos, servidores públicos e empresários envolvidos na sana de se apropriar do dinheiro público a qualquer custo sem se preocupar com as consequências dos seus atos ilícitos.
Políticos porque os cargos comissionados da esfera federal continuam sendo preenchidos pelo famoso QI (quem indica), mesmo em um governo presidido por um fanfarrão onde em sua campanha eleitoral apresentava como proposta combater as indicações políticas e jamais se curvar aos pleitos de parlamentares tão corruptos quanto os por si indicados. Nos dias atuais não há mais dúvidas sobre o “acerto” político entre o centrão e o atual presidente com a nomeação de inúmeras indicações de cunho meramente políticos, sem qualquer critério técnico.
Servidores públicos porque sem a participação de alguns corruptos de carteirinha e a omissão da grande maioria de bem, reta e honesta, jamais uma empresa à beira da falência iria receber dinheiro público para passar a administrar uma subestação de energia elétrica responsável pelo abastecimento de um Estado inteiro (lembrando que a mesma empresa se encontra responsável por subestações de energia elétrica no Estado do Pará, também).
Empresários porque estes podem até conseguir vencer um procedimento licitatório sem vícios e dentro da legalidade, mas os percalços em nossa burocracia são criados justamente para mais cedo ou mais tarde levar o contratante com Estado brasileiro a “pedir ajuda” para ter um “entrave burocrático” removido e assim poder receber os valores a que tenha direito. Os alvos dos pedidos de ajuda são normalmente políticos e servidores públicos de alto escalão preparados e com “experiência para resolver” o problema enfrentando por quem os procura.
Algum diretor ou gerente das empresas envolvidas fará delação premiada para apontar quem recebeu valores para fazer vistas grossas para a manutenção de um gerador de energia por 10 meses? Quem protegeu a empresa que não disponibilizou o plano B para a questão energética do Amapá, ou em termos técnicos, por que o Estado do Amapá está há 2 anos sem sistemas de redundância para evitar um apagão? Como uma empresa à beira da falência ainda participa e ganha o direito de explorar o fornecimento de energia elétrica para Estados brasileiros?
O problema aqui não é a privatização, mas sim uma atuação novamente medíocre dos gestores brasileiros em fiscalizar, em gerir o básico da infraestrutura, ou alguém esqueceu da crise energética nacional de 2001 e 2002 onde ficou comprovado mais uma vez a inércia da gestão estatal com a questão energética nacional pois os investimentos nessas áreas eram os mínimos possíveis contando sempre com a média de chuvas no país quando todos fomos surpreendidos com a forte estiagem ocorridas nesses dois anos?
Como solução para aquela crise mais uma vez os “iluminados de Brasília” em seus confortáveis escritórios refrigerados com secretárias e inúmeros assessores à sua disposição tiveram a brilhante ideia e conseguiram implementar as chamadas bandeiras nas contas de energia elétrica de todos os brasileiros para “compensar” o uso de termelétricas nos momentos de estiagem nos reservatórios das regiões sul e sudeste, situação até hoje encontrada em nossas contas de energia elétrica. Na realidade as bandeiras estão em nossas contas para compensar a inoperância dos gestores brasileiros.
A consequência da incompetência, do descaso e da corrupção estatal todos os amapaenses estão sentindo há 2 dezenas de dias completos, uma crise energética que trouxe a falta do fornecimento de água, estragou alimentos, fez encarecer produtos básicos como água e pão, vem queimando os mais diversos equipamentos eletrodomésticos da população e o mais lamentável de tudo, pessoas perdendo suas casas em incêndios provocados pela oscilação da energia elétrica em todo a rede do Estado.
No meio da crise tivemos a instituição de um rodízio no fornecimento de energia elétrica que desde o início não foi cumprido em sua integralidade, caracterizando-se em mais uma mentira dos gestores públicos, com desculpas esfarrapadas desmentidas pelas redes sociais com depoimentos e vídeos (é impressionante como principalmente em momentos de crises nossos governantes preferem optar pela enganação ao invés de falar a verdade para a população).
E as cenas típicas de Sucupira continuam a aumentar ainda mais o nosso folclore tucuju com cenas de políticos apontando para a balsa com geradores termelétricos, entrevistas de autoridades públicas afirmando que o maior prejudicado foi o candidato líder das pesquisas para a prefeitura de Macapá e irmão de um senador o qual passou a despencar nas intenções de voto desde o início do apagão e a cereja do bolo, a vinda do atual Presidente da República para “ligar” a chave da subestação termelétrica construída para temporariamente diminuir as consequências do apagão.
A solução definitiva afirmada pelas autoridades envolvidas será dada no dia 26/11/2020 com a entrada em funcionamento do gerador vindo de Laranjal do Jari para a capital.
Longe de ser definitiva a solução apresentada é mais um arremedo porque a subestação de Macapá continuará sem sistema de redundância para o fornecimento de energia elétrica uma vez que continuaremos contando com apenas uma subestação em Macapá com dois geradores funcionando e não três. Para piorar a situação, a cidade de Laranjal do Jari agora se encontra sem sistema de redundância.
A partir de 26/11/2020 o Estado do Amapá contará 02 (duas) subestações a funcionarem pela própria sorte. Acaso ocorra qualquer falha ou sinistro em um dos geradores das subestações teremos novo apagão em parte ou na maior parte do Estado do Amapá.
A solução apresentada como definitiva é mais um paliativo como tantos outros apresentados por nossos gestores em temas cruciais como o fornecimento de energia elétrica. A solução definitiva para evitar a ocorrência de um novo apagão no Estado do Amapá passa pela construção de uma segunda subestação com capacidade para atender todo o território estadual, além da instalação de um novo gerador na subestação de Laranjal do Jari.
Não nos espantemos se passarem mais um ano e o gerador da subestação de Macapá se encontrar em manutenção e nosso Estado ainda continuar sem o planejamento sequer para a construção de uma nova subestação. Situação triste, mas é o cenário mais provável para os próximos 12 meses.
Advogado, conselheiro da OAB/AP de 2010 a 2012 e diretor tesoureiro da OAB/AP de 2013 a 2015