A Constituição de 1988, chamada de Carta Cidadã pelo ilustre Ulysses Guimarães, não tocou nas atribuições do Poder Judiciário, mas criou um quarto poder sem qualquer instrumento para lhe servir de controle que é o atual perfil do Ministério Público. No dizer do ex-ministro Sepúlveda Pertence, seu idealizador, um monstro incontrolável. No caso da famigerada Operação Lava Jato ficou evidente que esse poder ficou descomunal para caber dentro de um regime democrático. O órgão que fora elevado ao status de dono da ação penal – com direito, inclusive, para investigar – se revelou sem qualquer controle e saiu atropelando, como uma carreta desgovernada, seus alvos escolhidos. Com a ajuda de uma imprensa sectária o estrago ganhou a dimensão de um tsunami e foi colocando na cadeia, com o beneplácito do judiciário, aqueles que reputava inimigos da nação.
O judiciário, por sua vez, virou protagonista de debates políticos que gravitavam em torno da Operação Lava Jato, manifestando-se abertamente sobre temas que lhes são vedados. O STF – como órgão de cúpula do poder judiciário – deu o mau exemplo: começou a debater livremente, em qualquer recinto, sobre temas que iria julgar, perdendo, com isso, o atributo da imparcialidade, ínsito a qualquer juiz. Já se sabia com antecedência qual seria a decisão dos magistrados. Juízes e procuradores da Lava Jato conversavam e trocavam experiências como sócios de um empreendimento comum, subvertendo nosso sistema acusatório. Os relatos dessas experiências já demandariam, por si só, um amplo debate sobre o papel do judiciário e do Ministério Público na nossa atual democracia e no modelo de sociedade em que vivemos. Não há só um “Lula” sendo julgado por juízes incompetente e suspeitos e acusados por um Ministério Público cheio de motivações estranhas ao seu escopo constitucional. Há necessidade de se voltar à normalidade, cortando as incomodas asas do abuso do Estado.
Não é imaginável no atual estágio da civilização se cogitar de um Estado, forte, cruel, violento e arbitrário, na pior versão do Leviatã de Thomas Hobbes, para subjugar os hipotéticos adversários da nação, sem direito a processos justos. O Estado não pode ser um triturador de “lulas”, que arrancados das “áreas de pontes das desigualdades” são perseguidos e julgados por agentes do Estado incompetentes e suspeitos, tudo em nome do combate de uma alguma causa que supostamente “incomode a nação”.