A Câmara Municipal de Macapá protagonizou na semana passada um dos fatos que revela sua própria personalidade. Os vereadores – sem qualquer oposição – aprovaram uma proposta de concessão do título de cidadã macapaense a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro. Depois das críticas recebidas, alguns vereadores da oposição, se manifestaram para dizer (pasmem!) que votaram sem querer votar, numa reação que se assemelha ao personagem Chaves. Alguns, espertinhos que só, cogitaram até mudar o regimento. O presidente Marcelo Dias, que já disse que a Amazônia é pop, passou um pito nos vereadores dizendo, sem qualquer pudor, que seus colegas de parlamento tinham assessorias pífias que sequer passavam um olho nas pautas.
A concessão da honraria de cidadã macapaense a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro é um daqueles erros grosseiros que vem do ovo. A honraria para ser concedida impõe a observância de alguns requisitos. A cidadania de qualquer lugar impõe uma íntima relação de convivência e identidade do indivíduo com o espaço geográfico. Essa relação não é presumida. Requer um conteúdo verdadeiro e sério e não pode estar ancorado em outros fundamentos que não seja a convivência e a identidade. A ex-primeira-dama não preenche nem o primeiro quadradinho para receber a honraria. Entretanto, a cara de pau da vida parlamentar permite essas propostas indecorosas que contrariam a vontade popular.
O rechaço de alguns parlamentares após a aprovação da honraria só revela o quanto a vida parlamentar não é levada a sério. Aliás, de há muito que a atividade legislativa não é levada a sério. Primeiro, pelo eleitor que não escolhe seus representantes pela qualidade e atributos que ostentam. Depois, pelo próprio parlamentar que na maioria das vezes usa atividade parlamentar para defender interesses particulares logicamente dissociados das aspirações de seus concidadãos. O resultado é sempre um parlamento distante do povo e perto de outros interesses que não dos representados. No caso da honraria é intuitivo imaginar que a proposta é construção cerebrina de quem quer se dar bem agradando aqueles que se identificam com a ex-primeira-dama. Nada de algo que brote como emanação do seio social.
Como a Amazônia é pop, segundo o presidente do legislativo municipal de Macapá, é triste constatar que a casa de leis da capital é conjunto de pessoas desatentas que aprovam o que, segundo eles, são contra. Alguns chegaram ao despautério de se manifestar publicamente sustentando sua desaprovação à proposta que votou favoravelmente. Essa contradição gigante só revela o quanto estamos mal representados. O parlamento não pode ser uma caverna de desatentos ou distraídos sentados de frente para a sociedade. Se não conseguem ouvir uma proposta legislativa lida em alto e bom som pela mesa diretora a pouco metros de sua venta como irão escutar a voz rouca das ruas com suas urgências? O bom seria que o povo, desatento, deixasse de reeleger aqueles que não escutam seus clamores. Seria uma vingança digna, mas é só sonho, infelizmente!