Da França, recente resistência vinculava a nossa soja ao “desmatamento” da Amazônia. É crível que o discurso mais visava defender pauta ambiental para questionar a Soberana gestão do Brasil sobre a Amazônia.
Agora, na noite da quarta-feira, dia 03 de fevereiro, data em que este artigo é elaborado, vemos notícia de que o atual e novo Presidente dos EUA recebeu dossiê recomendando a suspensão de acordos bilaterais, alianças e negócios, com o Brasil.
O documento questiona as nossas exportações de soja, madeira e carne, por colocá-las sob a suspeita de vinculação a abusos de direitos humanos e desmatamento.
Voltam a falar em críticas ao que consideram a destruição da Amazônia, endereçando tal tese ao novo Presidente dos Estados Unidos e se esquecendo de que outras nações não tem idêntica cobertura vegetal, em seus territórios.
Antes de avançar especificamente sobre o tema, de longe vem a cobiça estrangeira sobre a Amazônia e o dossiê parece fomentar resistência ao atual governo, expondo-o a outra nação em lugar de buscar uma solução interna, local, via Impeachment ou outra modalidade de controle prevista no sistema constitucional pátrio.
Mais do que uma denúncia ou formal queixa em adequado fõro, o dossiê parece destinado a fornecer requintados talheres à maior potência militar.
O dossiê, segundo se noticia, faz denúncias graves sobre vários temas, como se outro país pudesse simplesmente dar um puxão de orelha no atual governo brasileiro. Dirige-se à nação que já teve ex-Presidente (William Howard Taft – 1909/1913) dizendo, no 1º Congresso Pan Americano, ocorrido em Lima, que todo o hemisfério será deles e que, anos depois, em idos de 1947, em certos foros cogitava do Projeto Hiléia Amazônica, que seguia no rumo da sua internacionalização. No mesmo sentido, Nelson Rockfeller disse que deveriam melhorar a relação do dinheiro com o aproveitamento da América Latina, acrescentando “Se não fizermos assim, eles tomarão de nossas mãos o que nos pertence”. Por fim, também a Aliança para o Progresso, de Kennedy, não nos trouxe o progresso prometido.
Antes, no Século XIX, há registros de que ocorreram missões penetrando no Brasil e que mantivemos o nosso domínio graças à percepção de D. Pedro II e do Barão de Mauá, que criaram a Companhia de Navegação do Amazonas, em 1.852, logo após a criação da Lei de Terras de 1.850 e em época em que os olhos estrangeiros já cobiçavam o Brasil, chegando-se ao ponto de se suscitar a tese de que o Rio Amazonas não passaria de tributário do Rio Mississipi.
O que vemos é um movimento focando na Amazônia e parece que acendendo o fogo que um dia poderá arder. Fogo assemelhado não beneficiou alguns dos apoiadores do Golpe de 1964, pois foram cassados ou deixados de lado, como Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros.
Agora, cogita-se disponibilizar vultosos recursos para se investir na região Amazônica. Mas e a nossa Soberania? E o princípio da não intervenção? A Amazônia não é só “mato”. Moram na região mais de 23 milhões de pessoas, o que equivale a 1/3 da população da França. Essas pessoas não vivem penduradas em casas nas árvores, como Robson Cruzoé e, ao contrário do que incautos possam pensar, há grandes cidades, onde há universidades, forte economia e indústrias, incluindo a zona franca de Manaus.
A propósito dos temas poluição e danos ao meio ambiente, não é demais lembrar que o Projeto Jari foi obra do estrangeiro Ludwig, que em 1967 adquiriu área equivalente a todo o Estado do Sergipe, gerando grande desmatamento e até uma CPI se criou no Brasil para se investigar o fato. Aliás e a propósito, ali se desmatava a floresta nativa para se plantar “reflorestamento” com árvores estrangeiras, a gmelina arbórea. Além disso havia práticas de criação de gado, agricultura e mineração.
Aliás, a Amazônia Legal corresponde a 60% do território brasileiro e possui áreas de densa floresta e também de Cerrado e Pantanal. A vegetação típica do Cerrrado queima anualmente, por causas naturais – embora existam queimadas criminosas, também. A Califórnia tem grandes incêndios, anuais. Acaso estes não mais ocorrem? Também não há mais fogo periódico na Austrália e nas Savanas Africanas? Atacar o fogo é causa simpática, mas a questão é mais complexa.
E quanto aos índios, o que fala o dossiê? Nós ainda os temos e em imensas reservas, diferentemente do que ocorre noutros países. Fala-se em povos indígenas nas Américas, na Oceania, Caribe, África mas não se comenta sobre povos indígenas na Europa.
As coincidentes falas vindas doutros países apontam para um interesse renovado na Amazônia. As hipotéticas anunciadas doações para se proteger matas de queimadas não transformam o doador em gestor da área. Imaginem se quem dá esmola pudesse determinar o que o donatário tivesse de fazer ou se transformasse em co-proprietário de um bem porque se cuidou das plantas do jardim. Não se pode autoarvorar atributos de titular de qualquer parcela sobre a Amazônia brasileira, seja como co-soberano, co-gestor ou no que em dezembro apelidamos de Pansoberania, neologismo que introduzimos para ressignificar o que parece se avizinhar.
O texto submetido ao líder norte-americano estaria falando sobre a agonizante democracia no Brasil e sobre problemas com direitos dos povos indígenas, desmatamento, direitos humanos, saúde pública, liberdade religiosa e considerações sobre a base maranhanse de Alcântara e apoiamento militar.
Não conhecemos o teor do dossiê, mas é perceptível que a notícia veiculada mostra fogo com intenção de fazer derreter as relações bilaterais entre os dois países, parceiros de longa data.
Noutro foco, é crível que todos habitamos o mesmo planeta e, portanto, temos o mesmo interesse na proteção de geleiras, florestas, Alpes, Oceanos etc mas isso não significa que nos intrometeríamos no que se faz em outras nações, respeitando a autodeterminação dos povos. Querer que outro país diga o que deveríamos fazer aqui ou nos aplicar sanções econômicas ou restringir a força dos acordos bilaterais equivaleria a internamente questionar a nossa própria Soberania, sob o argumento de que pensariam no bem de toda a humanidade e do meio ambiente.
Aliás, por paridade de forças e argumentos, pelo mesmo motivo se deveria questionar o uso de matrizes de energia nuclear e a carvão e pelo que podem causar as ogivas nucleares que possuem outras nações (afinal, potencialmente podem causar malefício a toda a humanidade e ao meio ambiente)?
Um argumento não pode servir para um e não servir para outro. Não parece lógico. Também parece não ser razoável constranger aquele Presidente com o tal dossiê, quando o seu país só agora assinou o Acordo do Clima.
Um dos grandes depósitos de riquezas do mundo é extamente a nossa cobiçada Amazônia… nossa!
Observemos as jogadas e resistamos ao gambito provocado pelo documento e por outras vozes, não pelo bem de governos passageiros, mas pelo bem do Brasil e dos brasileiros.
Rogerio Reis Devisate
Advogado. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Palestrante. Escritor.