Todos nós sabemos que o problema do superendividamento é gravíssimo, segundo dados retirados do Mapa de Inadimplência do Brasil, elaborado pelo Serasa em maio de 2021, “existem no país ao menos 60 milhões de inadimplentes, totalizando um valor de R$ 249,6 bilhões. Ainda conforme esse estudo, o valor médio de cada dívida por pessoa é de R$ 3.937,98, sendo que o setor bancário/cartão de crédito concentra o maior número dos débitos: 29,7%. Destaca-se também que 16,9% dos inadimplentes têm mais de 60 anos, o que gera maior preocupação, pois o quadro de endividamento de consumidores hipervulneráveis tem o condão de acarretar prejuízos financeiros e psicológicos ainda maiores. Verifica-se que vários outros países apresentam números alarmantes de endividados. Os Estados Unidos contam com 76,6% da sua população endividada; o Chile, com 70%; e a França, com 50%.”
Mas o que é o superendividamento?
Pois bem, a Lei n. 14.181/2021 definiu como a “impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial”.
Em momento anterior, já expliquei que o consumidor de boa-fé somente se torna apto a utilizar as benesses dessa lei se tiver comprometido seu mínimo existencial o qual, foi durante muito tempo, tratado pelo nosso ordenamento jurídico de forma tímida e até mesmo temerária, tomando por empréstimo o percentual de 30% definido como limite para descontos mensais de dívidas, previsto na Lei nº 10.820/2003 e consolidado na jurisprudência pátria.
Porém com o advento do decreto 11.150/2022 o mínimo existencial foi fixado em um valor linear para todos correspondente a 25% do salário-mínimo vigente, ou seja, hodiernamente, segundo norma do governo federal, o mínimo existencial para todos os brasileiros seria de R$ R$ 303, e esse endividado só poderia usar das benesses legais caso suas dívidas ultrapassassem esse mínimo existencial!!
Desta feita, para tentar reformar esse decreto o Ministério Público Federal divulgou, nesta segunda-feira (15/8), uma nota técnica que destaca que o objetivo da Lei do Superendividamento foi preservar os direitos do consumidor e equilibrar as relações de consumo, permitindo um desenvolvimento sustentável das atividades econômicas. No entanto, segundo o MPF, ao regulamentar o tema, o decreto presidencial desvirtuou o sentido original da lei, ampliando as possibilidades de endividamento da população, especialmente daquela mais vulnerável.
Ademais, “É notório que tal valor é irrisório para a assunção realizável dos compromissos domésticos mais basilares. Além disso, a ampla margem disponibilizada para endividamento não contribuiria para a sustentabilidade nem das relações de consumo, nem do mercado de crédito”, pontua a nota técnica.
Acredito que esse problema criado pelo Decreto federal surgiu devido “a falta de critérios objetivos relativos ao mínimo existencial na concessão de empréstimos em todas as suas modalidades ocasionou a recorrente prática de concessão irresponsável de crédito, pois de um lado existem os recordes na lucratividade das instituições financeiras e, do outro, o aumento significativo do superendividamento da população brasileira, conforme informa o estudo do desempenho dos bancos divulgado pela DIEESE.” Conforme o artigo do site Conjur .
Desta feita como solução para esse problema de faltas de critérios objetivos o artigo menciona o estudo da “economista Adriana Fileto, coordenadora do Comitê Técnico de Educação Financeira do Instituto Defesa Coletiva, elaborou um parecer técnico sobre o mínimo existencial, na qual descortinou critérios objetivos para se afirmar de forma precisa e razoável, com amparo em quesitos financeiros, sociais e jurídicos, quais as despesas devem ser consideradas para o cálculo dos percentuais do mínimo existencial, de acordo com o contexto sociofamiliar de cada consumidor brasileiro. Para tanto, utilizou-se, de forma adaptada, os dados da Pesquisa Sobre Orçamentos Familiares (POF) que é realizada pelo IBGE, desde 1974. A referida pesquisa avalia as estruturas de consumo, de gastos, de rendimentos e parte da variação patrimonial das famílias, oferecendo um perfil das condições de vida da população a partir da análise dos orçamentos domésticos.”
Este estudo técnico aponta que a composição do mínimo existencial deve abarcar as seguintes despesas: alimentação, habitação, vestuário, transporte, higiene e cuidados pessoais, assistência à saúde e educação.
Desta forma, este estudo aponta uma variação de porcentagem de renda muito diferente da posta do decreto federal, vejamos: considerando o gasto resultante da soma dessas despesas, bem como a faixa de renda de cada família brasileira, fixa-se os percentuais de mínimo existencial, que variam de 88% da renda (pessoas que recebem até 1 salário-mínimo) até 59% da renda (recebem mais de 12,5 salários mínimos). Além desse critério da renda o estudo também analisa os critérios regionais e socioeconômicos para fixar o mínimo existencial.
Mesmo com a criação desses critérios objetivos não se deve excluir que, “no momento do tratamento do superendividamento, a abertura para a análise do caso concreto deve ser ainda maior. Nesse ponto, a aferição do mínimo existencial deve ser entendida como um processo aberto, maleável, no qual o julgador deverá, norteado pelos princípios consumeristas e da dignidade da pessoa humana, realizar um juízo de ponderação, a fim de dar ao conceito normativo do mínimo existencial sua adequada correspondência fática, assegurando, assim, a efetividade da referida norma protetora.
Portanto, a definição do mínimo existencial capaz de dar efetividade à Lei nº 14.181/2021, com a esperada proteção da dignidade do consumidor superendividado é tarefa complexa. Contudo, a sugestão de sistema híbrido ora apresentada mostra-se como uma alternativa extremamente interessante para viabilizar a imediata regulamentação da matéria. (Salgado e Oliveira, 2021)
Espero ter conseguido esclarecer, a você leitor, a importância do mínimo existencial para a proteção ao consumidor de boa-fé, e para saber mais sobre esse e outros assuntos relacionados ao Direito, acesse o site: www.emdireito.com.br, assine a nossa newsletter ou fique ligado nas minhas redes sociais no Instagram e no Facebook @andrelobatoemdireito.
Até domingo que vem!