O Brasil possui uma lei específica tratando da transparência nas finanças públicas, é a Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009 (lei esta que alterou a Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000), criando a obrigatoriedade para os entes públicos em instituírem e manterem os chamados portais da transparência, para a população acompanhar em tempo real os gastos dos governos Federal, Estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios.
Temos ainda uma lei tratando do acesso à informação, é a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), que regulamenta o pedido de informações de atos e processos públicos por qualquer pessoa interessada.
Já a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei das Licitações e Contratos Administrativos) prevê expressamente em seu art. 1º o princípio da publicidade como um dos regedores dos processos de licitação e da celebração de contratos públicos com a possibilidade de acesso por qualquer pessoa interessada no procedimento licitatório ou no contrato administrativo.
Mas antes destas legislações temos a nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988-CF/88 estabelecendo a publicidade como um dos princípios do Estado Brasileiro em seu art. 37 quando afirma que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”.
Nossa Carta Maior é quem primeiramente fala da publicidade, a colocando em um patamar de princípio, não somente determinando, mas desejando ser ínsito ao comportamento de todo agente público ou político quando no desenvolvimento de suas funções a publicidade de seus atos ou a possibilidade de fácil acesso de seus atos por qualquer cidadão.
A regra geral na Administração Pública no Brasil é de todos os atos, processos e contratos administrativos serem públicos, a exceção é o sigilo e este deve ser reservado aos atos atinentes à soberania e à segurança nacional e às questões de Estado, no mais, devem obedecer ao princípio da publicidade.
Apesar do art. 37 da CF/88 alguns atos administrativos não eram públicos e aconteciam e ainda acontecem de forma oculta, na expressão popular “por debaixo dos panos”, além dos inúmeros pedidos de acesso a informações e documentos que tinham seus pedidos negados ou sequer eram respondidos pelos gestores e servidores públicos interessados em impedir ou dificultar o acesso às informações públicas.
Some-se a isto as investigações da Polícia Federal sobre divulgação de informações falsas acerca de atos e processos administrativos, com a montagem de processos para dar “publicidade” e ares de legalidade a atos de corrupção de agentes políticos e servidores públicos. Mais recentemente o trabalho de investigação policial comprovou mediante conversas privadas em aplicativos de celulares e por gravações de reuniões a portas fechadas a realização de superfaturamento nos preços dos respiradores, medicamentos, equipamentos de proteção individual e hospitais de campanha destinados ao combate ao corona vírus em alguns Estados brasileiros.
Para “combater a falta de publicidade” foram editadas e aprovadas as legislações acima, dentre outras, obrigando gestores e servidores públicos a darem publicidade a atos administrativos os quais por força constitucional já deveriam ser públicos, ou seja, é obrigar novamente quem já possuía a obrigação de dar publicidade a seus atos.
Apesar da CF/88 e da edição de todas as legislações que tratam da publicidade de atos públicos (uma redundância necessária para se entender o Brasil, mas totalmente desnecessária do ponto de vista da ética), permanecemos tendo atos administrativos sendo realizados às escondidas, outros com a sua publicidade negada ou não respondida para o cidadão interessado.
Isto acontece em países onde não se faz política, mas sim politicagem. O velho toma lá, dá cá da política tupiniquim deturpa os conceitos de política estudados desde Platão e Aristóteles e da doutrina da separação entre os Poderes pensada por Monstesquieu.
O exercício da política e da separação entre os Poderes não é a compra de votos de parlamentares em troca de cargos no poder executivo ou em empresas estatais, não é um parlamentar ligar para um Ministro (juiz) do Supremo Tribunal Federal-STF e pedir sua ajuda para convencer outro parlamentar a votar de determinada forma em um projeto de lei, não é a nomeação de várias pessoas mediantes atos secretos, sem a divulgação mínima de seus nomes e dos cargos que irão ocupar, não é receber dinheiro de empresas e entidades para votar favorável a determinado projeto de lei que as beneficiem ou para arquivar uma Comissão Parlamentar de Inquérito-CPI que os prejudicaria, a esses e tantos outros atos praticados por nossos políticos e agentes públicos para benefício próprio ou de pouquíssimos terceiros em detrimento do povo chamamos de exercício da politicagem.
Nefasta ao país como a corrupção e com ela muitas das vezes andando de mãos dadas, a politicagem condena um povo ao atraso e ao descaso por parte do poder público, matando o sonho das pessoas em terem uma educação de qualidade, de terem um ciência de ponta, matando pessoas nas filas dos hospitais, de fome pelas ruas das grandes cidades e pelo sertão do Nordeste, impede um país de ter uma economia forte com a geração de emprego capaz de absorver milhões de trabalhadores desempregados.
Pior ainda, premia o ocupante de cargo público ou político ao se valer dela para obter ganhos eleitorais e financeiros inimagináveis na iniciativa privada, ao conseguirem mansões onde podem realizar as mais belas festas e reuniões para continuar se perpetuando no poder, com carrões esportivos para ir almoçar em um domingo em um restaurante de luxo onde mais de 95% dos trabalhadores brasileiros não têm condições de pagar sequer por uma entrada.
Enquanto a mentalidade de uma boa parcela de nossa população (da população sim, porque o político não se forma a partir do nada, ele vem da população, seus votos não aparecem do nada, eles vêm da população) for pela politicagem, pelo toma lá, dá cá, dificilmente teremos o cumprimento na integralidade do princípio da publicidade em nosso país por uma simples razão, a publicidade impede as negociatas realizadas pelos politiqueiros às portas fechadas, com as tratativas visando somente os interesses pessoais dos envolvidos e jamais os interesses do povo.
Eleição e concurso público não selecionam somente os éticos, contrário fosse não teríamos a quantidade de servidores e políticos envolvidos nos mais diversos escândalos de corrupção e normalmente com a prática de atos administrativos em sigiloso e desconhecidos para a população em geral.
Apesar de estar em nossa Constituição Federal, o princípio da publicidade deveria fazer parte e se encontrar presente em todos os atos administrativos pela própria consciência de quem exerce cargo público ou político, sob pena de se fazer letra morta a norma constitucional e as demais normas infraconstitucionais.
Evandro Salvador
Advogado