No dia seguinte, às 7h30 em ponto, retomava a rotina. “Quem adere ao hábito ganha dois dias em vez de um”, costumava dizer. No Brasil, quem incorporou o costume foi o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Quando era presidente da República, gostava de pegar um livro ou jornal e dar uma boa cochilada de 15 a 20 minutos em um sofá qualquer do Palácio da Alvorada, em Brasília. “Faz um bem danado”, relatou FHC em 1998.
Parece conversa pra boi dormir, mas o fato é que a ciência assina embaixo. A mais nova pesquisa a confirmar o efeito benéfico do cochilo vespertino vem do Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça, e foi publicada na revista médica Heart.
A equipe da epidemiologista Nadine Häusler monitorou os hábitos de sono e o prontuário de aproximadamente 3 400 voluntários com idade entre 35 e 75 anos. Passados cinco anos, ela concluiu que tirar uma pestana uma ou duas vezes por semana reduz em até 48% o risco de eventos cardiovasculares, a exemplo de infartos e AVCs.
“Quando você dorme pouco ou mal à noite, cochilos ocasionais são uma forma de compensação fisiológica que diminui o nível de estresse”, explica a estudiosa.
Cochilar por alguns minutos, de preferência na parte da tarde, não faz bem só ao coração. O cérebro, principalmente o dos idosos, também fica feliz da vida. É o que revela outro estudo, este realizado pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e publicado no periódico Journal of the American Geriatrics Society.
No trabalho, cerca de 2 900 chineses com mais de 65 anos tiveram que, entre outras tarefas, resolver equações matemáticas, memorizar sequências de palavras e responder a perguntas do tipo “Em que estação do ano estamos?”.
Segundo a médica e coordenadora da investigação, Junxin Li, os que cochilavam cerca de 30 minutos, até por volta das 16 horas, foram os que apresentaram melhores resultados.
Não faltam evidências para legitimar as vantagens do relaxamento pós-prandial — prandium, em latim, quer dizer almoço. Até a Nasa recomenda a soneca a pilotos e astronautas.
Segundo um experimento da agência espacial americana, quem faz um repouso de uns 20 minutos depois da principal refeição do dia tem sua capacidade de raciocínio e memória aumentada em 34% e sua habilidade para tomar uma decisão acertada sobe 54%.
Mas, cá entre nós, será que dá para descansar o esqueleto em tão pouco tempo? A resposta é sim! “Cochilos curtos, de 15 minutos, são suficientes para causar um ‘reset’ no corpo e no cérebro”, afirma a pediatra Lucila Prado, do Departamento Científico do Sono da Academia Brasileira de Neurologia.
Quanto tempo o cochilo deve durar
O sono nosso de cada dia, explicam os cientistas, tem quatro estágios: 1, 2, 3 e REM — sigla para rapid eye movement, ou movimento rápido dos olhos. Do estágio mais superficial ao mais profundo, o ciclo total dura de uma hora e meia a duas e se repete quatro ou cinco vezes ao longo da noite.
O ideal é cochilar apenas 15 minutos, mas, se houver tempo, estique até, no máximo, duas horas. Mais que isso, você pode acordar grogue, irritadiço e mal-humorado. Ou pior: ter dificuldade para pegar no sono mais tarde.
Por essas e outras, a neurologista Andrea Bacelar não recomenda a prática a qualquer um. “Apenas a quem trabalha em turnos ou não dorme o suficiente à noite”, ressalva ela, que é presidente da Associação Brasileira do Sono.
A soneca perfeita
O lugar: deve ser silencioso e climatizado. Na falta de um local assim, que tal a sala de reuniões vazia? Em último caso, até um pufe ou uma cadeira reclinável podem ajudar.
A luminosidade: vale fechar cortinas ou persianas. Agora, se não for possível deixar o ambiente escolhido mais escurinho, recorra a uma máscara de dormir.
O barulho: protetores auriculares podem ser úteis para barrá-lo. Outra sugestão é utilizar fones e ouvir música clássica ou até um barulhinho de cachoeira.
A duração: bastam 20 minutinhos. Mas, se conseguir, capriche: de 90 minutos a duas horas. Mais que isso, você pode acordar grogue e irritado. Use o despertador.
O período: o melhor é cochilar logo após o almoço, de preferência entre as 13 e as 15 horas. Evite tirar sonecas no fim do dia para não atrapalhar o sono principal.
A hora da sesta
Na Espanha, siesta. No Japão, inemuri. Nos Estados Unidos, power nap. São muitos os países que, por razões culturais ou não, adotam o hábito de fazer um repouso pós-almoço. A nomenclatura varia de um lugar para outro.
Na Espanha, o termo siesta se refere à sexta hora do dia. Para os latinos, o dia começava às 6 da manhã. Logo, a sexta hora era ao meio-dia. No Japão, ser pego cochilando no trabalho não significa demissão — em alguns casos, pode dar promoção! É o chamado inemuri, ou “dormindo em serviço”. Uma prova de que o funcionário veste a camisa da empresa.
Para os americanos, soneca virou power nap, ou “cochilo poderoso”. O termo foi criado em 1999 pelo psicólogo James B. Maas, da Universidade Cornell.
“Seu corpo está com fome de sono, mas, durante o dia, você não pode fazer uma refeição completa? A solução é servir um lanche muito saboroso chamado soneca”, compara o autor de Power Sleep (clique para comprar), Sleep for Success e Sleep to Win, entre outros livros.
No Brasil, a moda não pegou. “Não sai barato criar um cochilódromo em uma empresa. Demanda investimento. Além disso, para muitos empresários, o hábito é sinônimo de preguiça. É preciso vencer esse preconceito”, avalia Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos.
Por enquanto, dá para contar nos dedos as empresas que disponibilizam espaços aconchegantes para os funcionários relaxarem um tempinho.