Ao revisitar a leitura de “O Estrangeiro” de Albert Camus, refleti, sob outra perspectiva, sobre a vida do jornalista Roberto Gato, meu amigo há mais de 4 décadas. “O Estrangeiro”, de Albert Camus, é um romance que explora o absurdo da existência humana. O protagonista, Meursault, é um homem indiferente e emocionalmente distante, que vive na Argélia colonial. A história começa com a morte de sua mãe, a qual Meursault encara com indiferença. Sua apatia se estende a sua vida pessoal, incluindo um relacionamento superficial com Marie e uma amizade com o enigmático Raymond. Após se envolver em uma briga e matar um homem árabe, Meursault é julgado não apenas por seu crime, mas também por sua falta de conformidade com as normas sociais. O livro destaca a alienação e a falta de sentido que Meursault enfrenta, refletindo a filosofia do absurdo, onde a vida não possui um propósito intrínseco e a busca por significado é, muitas vezes, fútil.
Conheci Roberto Gato quando ainda era pré-adolescente no antigo Colégio Comercial do Amapá, na segunda metade da década de 70. Alto, magro, olhos verdes e uma habilidade extraordinária para o futebol, logo ganhou fama por sua intimidade com a bola. Jogou, com orgulho, no seu time do coração, o Oratório Recreativo Clube. Em seguida chegou à seleção amapaense de futebol e, por talento, foi convidado a jogar no futebol paraense. Chegou a vestir a honrosa camisa do Clube do Remo. Pouco depois, retornou à Macapá e continuou sua trajetória. Roberto Gato, diferente de Meursault, personagem principal de “O Estrangeiro” de Camus, buscava um sentido para vida. Saiu do futebol para a vida executiva no setor privado e, pouco depois, para o jornalismo. Por onde passou demonstrou talento e personalidade. Chegou a exercer um dos mais alto posto de executivo do setor público. Foi Diretor-Presidente da Rádio Difusora de Macapá equiparado a Secretário de Estado. Contudo, Roberto Gato tinha um amor não correspondido com seu bairro: a Favela.
Por sua trajetória relevante na vida esportiva e profissional e sua paixão incontida pelo bairro onde nasceu, era de se esperar que Roberto Gato tivesse um reconhecimento mais alinhado com a importância que representava para sua comunidade. Todavia, nunca houve o feedback positivo. Houve sempre colisões na reciprocidade. Como se extrai do livro, Meursault não se conformava com as normas sociais e expectativas emocionais, o que o torna um “estrangeiro” em sua própria sociedade. Ele enfrentava a vida com uma honestidade brutal e uma aceitação do absurdo, refletindo a filosofia existencialista de Camus, que sugere que a vida não tem sentido intrínseco e que os indivíduos devem enfrentar essa realidade sem ilusões. Sua visão do mundo é caracterizada por uma consciência aguda do presente, mas uma falta de conexão com valores e tradições sociais. Aqui está a identidade de Roberto Gato com Meursault.
Essa digladiação de Roberto Gato com sua realidade social, especialmente de seu bairro, teve um troco irresponsável da comunidade. Ela o transformou em um “estrangeiro” em seu próprio “locus” ao enfrentar com tenacidade as resistências àquilo que ele tentava impor como filosofia e prática no sentido de despertar nos seus concidadãos a consciência do presente sem levar em conta os caros valores vigentes. Ao conversar com Roberto Gato levo o consolo de que essa experiência não é reservada ao seu querido bairro. Minha experiência no querido bairro do Laguinho já me levou a postular passaporte para a simples convivência comunitária. Certa vez, propus ao sociólogo Fernando Canto iniciar uma campanha para transformar todos os laguinenses em revoltados para compreender o verdadeiro sentido da vida, sugerindo que a vida não tem um sentido em si mesma e que os indivíduos devem enfrentar essa realidade sem fantasias. Somos estrangeiros, meu caro Roberto Gato, nossa visão do mundo é caracterizada por uma consciência aguda do presente, mas há uma falta de conexão com valores e tradições sociais.
Os estrangeiros
